Pedaços Humanos

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ele.Ela


'Ele estava sozinho. Ela também. Ele envolveu-se de verdade com algumas, de mentira com outras, divertiu-se, deixou-se divertir, e sempre havia graça nisso. Ela gostou de verdade de outros, mas entendeu não ser o certo ainda. A cada novo encontro ele tinha certeza que a tal da vez era a mulher de sua vida. Não hesitava, se jogava e dava tudo de si. Depois acabava por nenhum motivo que pudesse pôr fim ao amor exageradamente grande que ele acreditara existir, mas ele não sofria. Ela não se iludia, nem os iludia. Beijava sem dor, nem promessas. Mas ainda não confiava em nenhum deles. Ele olhava ao redor, às lamúrias sem fim de outros homens e perguntava-se se de fato já havia amado alguém. Ela não questionava, pois já parecia estar sentindo o que seria o amor. Mas ele era sincero, não havia enganado nenhuma delas. Talvez enganasse a si mesmo. Mas não, não era engano. Talvez ao contrário do que imaginasse, amor acabasse. Estranho porque só via isso acontecer nele, mas tudo bem, melhor não questionar. Com ela, era diferente. Sempre ficava a certeza de que tudo tinha sido especial entre ela e outros. Havia tanta leveza nisso. No fundo, percebia-se que ele sentia vontade de viver o que observava outros vivendo. Mas não tinha pressa. Ou talvez não tivesse voracidade, mas pressa sim. Pressa por tocar no que tantos pareciam ter tocado, e ele não. Pressa por também, nem que por um dia somente, não imaginar a vida sem aquela pessoa. Achava isso tão patético, mas queria pelo menos entender. Aquela possibilidade parecia tão distante que ele imaginava que a tal da paixão não ficara para ele. Parecia não haver quem pudesse causar isso, quem pudesse tomá-lo tanto de e para si. Para ela a possibilidade do amor era tangível, embora, sentimentalmente, tão distante. Talvez para ela tivesse ficado mesmo o amor sem sofrimentos como não acontece com quem se apaixona perdidamente. Ela já aceitava isso e regozijava-se com quem não estava aqui, mas certamente viria. Ele não, ele queria mais. Tinha medo de aceitar a verdade do amor tranqüilo e perder uma possível paixão que cruzasse com ele na esquina. Os dois queriam a mesma coisa. O amor verdadeiro, palpável, forte, intenso. Mas em ordem distintas. Ele queria o fogo, e acreditava que depois poderia haver a tranqüilidade. Quando estivesse farto da paixão. Ela queria o amor sereno, manso. E na segurança dele descobrir toda a paixão que permanece com quem ama. Pelo medo de perder a paixão avassaladora que todos tinham, eu o vi perder o amor verdadeiro que nenhum daqueles jamais teve. A paixão viria, o adverti. Mas talvez ele quisesse a mesma ordem dos outros. Ele queria mais. Ela também. Por isso, ela partiu, com seu amor e a certeza de que alguém a acolherá. Ele ainda espera a tal paixão. Ele sozinho. Ela não mais.'


(blog 'euamaria')

(In) Sensatez

'Nunca admirei a insensatez. Nunca achei atraente a leviandade. Ah não, não me refiro ao surpreendente. Acredito que alguns pequenos delírios precisam ser cometidos. Como exceções que são a própria regra. Entendeu? Talvez nem eu. Mas o fato é que bonito mesmo eu acho a segurança. Divertir-me e brincar de cometer loucuras, mas com confiança, com o passo certo. Não leve por insano o que escrevi, não deve haver caminho sempre certo, mas o passo sim. Aliás, o que é minha definição de ser feliz: o passo certo, a caminhada, a viagem. Não creio que vá chegar à felicidade, acredito que ela é companheira de viagem até... Bem, até o fim destes dias. Acho miserável a associação de viver intensamente com viver irresponsavelmente. Consigo viver intensamente estando sóbria, parada e sozinha. Não preciso abusar da minha saúde, nem exceder meus limites e nem brincar com o sentimento de ninguém para me divertir. É quase deprimente precisar do que não me faz bem para assim estar curtindo a vida. Prazer é talvez o que há de mais particular, cada um sente o seu, pelo motivo que lhe for mais aprazível. Mas colocar a satisfação e felicidade em ser inconseqüente e sentir deleite no delirante chega a causar pena, pela precipitação, pela inconstância. Graça para mim é viver a vida com prudência, esta que não torna a vida monótona, pelo contrário, traz sensibilidade suficiente para cometer as maiores loucuras, não por insensatez, mas por astúcia de saber que a vida há de ser assim: surpreendente e intensa, sem para isso, precisar ser vil.'


(blog 'euamaria')

Aqui comigo

'Vem, pode vir. Chega mais perto. Senta aqui. Aqui comigo. Prometo o silêncio, se melhor for. As palavras, se as desejares. Deixa realizar meu desejo de cuidar de você. Não é altruísmo, embora possa disfarçar-se disso. Sei lá... Pode até ser um egoísmo pequeno. Ou grande. Porque cuidar de você faz eu ficar tão bem. Então disfarçado de altruísmo fica perfeito pra nós dois. Melhor assim. Se isso for algum egoísmo, imagino que ser egoísta pode fazer bem. Então como seria um contraste, cria outro nome pra isso. Chama como você quiser, eu desejar cuidar de você por amor a mim e beneficiá-lo com isso também. Não chama de egoísmo, nem de altruísmo. Melhor: não chama. Mas vem.'


(blog 'euamaria')



p.s: Porque me lembra alguém muito especial.
Lov u M.

Ama-me

"O que tem me mantido vivo hoje é a ilusão ou a esperança dessa coisa, 'esse lugar confuso', o amor um dia. E de repente, te proíbem disso. Eu tenho me sentido muito mal vendo minha capacidade de amar sendo destroçada, proibida, impedida". Caio Fernando Abreu

Aquele era o único pedido a que se dispunha: - Ama-me, ama-me, ama-me. Era um susurro lento, devagar, quase sôfrego. Mas era impiedoso, implorava, aceitava qualquer valor, desde que fosse cedido. Agarrava-se com tamanha avidez que parecia eterno. Mas era tão terno, tão doce. Nada prejudicava, embora mantivesse constante avassaladora força em pedir: -Ama-me, ama-me. O pedido não era obedecido, em nenhuma escala. O que se mantinha de troca era a promessa, embora não dita. Mas os olhos diziam alguma coisa, retratavam alguma esperança. Talvez não. O pedido era incessante, mas lívido. Não duraria a eternidade. Não a mesma que teria o amor - se aceito fosse. Mas não foi. Então a distância inevitável. Os passos ligeiros, e lacrimosos, e feridos de amor. Não o amor não correspondido. Mas o amor gigante que fazia doer o peito e não havia quem o quisesse para si (...)


"Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes é inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer". Clarice Lispector


( Retirado do blog 'euamaria')

Do livro Lua nova


'- Se você pudesse ter qualquer coisa no mundo, qualquer coisa, o que seria?

- Você.

- Algo que você ainda não tenha.'

(...)

Sua visita

"Eu quase nada sei, mas desconfio de muita coisa" - Guimarães Rosa

'Sinto quase vontade de dizer tudo. Sempre escrevi para me manter viva, para não deixar-me acumular, acumular e terminar por incontáveis letrinhas no chão que explodiram por não mais caberem em si. Há muito que não quero, e não posso esquecer. E há sempre o que precisa ser revelado. Mas em seu tempo próprio, em ritmo certo. Eu mesma determino este ritmo e, por ser parecido comigo, é devagar e, mais que isso, sem pressa. Devagar por escolha, por preferência. No entanto, escolho algumas palavras para comunicar-me com quem sente comigo, com alguém que na busca por alguma coisa passou por aqui e, tenha encontrado ou não, permitiu-se desvairar sobre o amor, este tema favorito. E concordou ou discordou de minhas palavras, mas me perdoou em ambos os casos. Mas se pudesse contar-te um segredo eu diria bem baixinho que você não está preparado, ainda. É preciso mais tempo, mais cumplicidade, mais paz. Um dia poderei contar que meu maior medo é minha maior força. Contarei que ainda não encontrei o abrigo e, por isso, resguardo-me tanto. Com aquela confiança de quem se entrega, deixarei que sintas que quem está oferecendo cuidado pede proteção. Um dia aqui, enquanto estivermos assentados lendo algum livro, contando as descobertas desta vida inexplicável ou distribuindo carinho gratuito, como em um passe de mágica, segurarei sua mão e estará explícito o sinal. Então ainda baixinho contarei o tudo, que sempre traz mais, e o nada, que vai ser a distração. Enquanto acredito que coincidências não existem, acredite que seus passos, mãos, olhos e coração não te levam nem te trazem por acaso. Há em ti, como em mim, esta procura por aquela palavra desconhecida, aquele sentimento completo, aquela busca que traga um sentido definitivo. Não sei o que encontraste aqui que possa ao menos ter refrescado a parada enquanto segues tua caminhada, mas creia que se não encontrou o que procuras encontrou quem também não cessa sua busca; e se não há em mim as respostas, embora haja todas as perguntas, poderemos trocar palavras e afetos, e continuarmos, juntos ou não, com um pouco de mais esperança e beleza. Então, recebo sua visita com um sorriso de qualquer tamanho e um abraço sempre. Pode ficar perto, deita comigo a observar as estrelas, passeia de mãos dadas pelo jardim, escreve um verso sem rima, toma um banho de chuva e não faz promessas. Agora a gente procura junto.'



(blog 'euamaria')

Teimosia

'Em um silêncio maior de todos os tempos, reconheço-me e passo a aceitar o que é necessário de mim. Há toda uma leveza em meu olhar por agora entender o tudo que os outros podem me doar. É menos do que eu esperava, mas é tudo que eles podem. A mim só cabe escolher entre renegar ou aceitar a parte que me cabe. Corro agora trás do meu sorriso, o que se perdeu antes desta descoberta. Aquele que não esperava nada, porque não precisava. Agora o quero de volta para ensiná-lo que ele deve permanecer ‘apesar de’, e assim será muito bom para todos nós. Ainda bastante perplexa com as loucuras que tem acontecido com meus dias e meus amores, coloco-me em resignação absoluta de quem não pode modificar o futuro, mas tem algum poder de mudar o presente, como sempre é possível através das escolhas. Minha escolha é honrar minha existência com a revolta no espírito que me conduz a teimar e ser diferente do que me é imposto. Teimosia sempre foi meu maior defeito/qualidade. Sempre foi o que me fez errar, mas o que me fez acertar. Sempre paguei alto por insistir em ser assim. Mas não poderia ter acertado jamais se não consentisse em errar outras vezes. Tento ser generosa não por bondade, mas por teimosia. Se o óbvio é me tornar fria e cínica depois de traída pela vida, teimo e decido oferecer aos outros o que não ofereceram para mim. Nada de beneficência, teimosia pura. Teimar não é meu. Sou eu. Vou teimar com quem cruzar meu caminho, e procurar viver uma relação diferente e sempre fugir do que é previsível. Não é desprendimento, é teimosia. Foi por teimosia que eu disse que ninguém tiraria meus sonhos. Não foi persistência, foi teimosia. E teimo e insisto em acreditar, sabendo que vou ou posso me decepcionar. E se isso acontecer, teimo em esquecer e esqueço. Sempre foi assim.'


(blog 'euamaria')

Fala, coração


'É melhor ir devagar. Ela disse.

Em seu coração o desejo de ser desobedecida: não sejas devagar, seja imediato. Entra sem pedir licença, queima tudo que ainda dói com a simples luz de tua entrada, não faz perguntas, não tenha cautela. Abre teu espaço e ocupa o que quiser. Ocupa-me. Não me dá opções, não me deixe ser prudente. Não me deixe ponderar, nem discursar sobre o que aprendi. Não aprendi ainda, ensina-me. Rápido, não me permita pesar. Há uma urgência de você.

Mas o coração dela não falava.'


(blog 'euamaria')

Ei você

'Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
de desinventar'


Chico Buarque

No jardim

'Foi antes de ontem, no jardim. Pedi para a florzinha cor-de-rosa desabrochar para mim. Ela disse que podia até nascer, mas desde que de já eu aceitasse que ela iria embora logo. Sem teorias ou dramas, a vida dela era assim, de trazer ternura indizível e indescritível, mas ter logo que partir. Pensei, pensei. E enquanto eu pensava, ela nasceu! Mas eu nem escolhi se aceitava tua efemeridade – eu disse. Ela disse então que também não bate na porta e nem arromba, ela simplesmente nasce e vive ali, eu desejasse isso ou não. Terminou de me ensinar e se ofereceu a mim. Era linda, perfumada e afetuosa, mas efêmera. Pensei em pensar um tempo se aceitava, mas era pouco tempo para decidir. Aceitei, mesmo sem saber se essa havia sido minha escolha. Algumas coisas não podem esperar para serem vividas. Isso também foi ela que me disse. E ela já se foi.'



(Blog 'euamaria')

O belo e o bom

'Se não podemos mudar o mundo, interminável trabalho de formiguinha, resta nos abrir para o que existe e sempre existirá de positivo: os verdadeiros amores, que não se baseiam em vantagens, mas em ternura e respeito; as verdadeiras amizades, que não se contam pelos dias convividos, mas pela certeza de que o outro está sempre ali; as verdadeiras famílias, em que apesar das diferenças imperam a confiança e a alegria. A tragédia da humanidade está no cotidiano minúsculo de cada um de nós, que corremos na superfície da verdadeira vida, obcecados por deveres insensatos, corroídos de inveja e desejo de aniquilação, distantes das coisas essenciais - pobres de afeto, despidos de alegria. Talvez seja uma saída. Não podemos mudar o mundo, mas podemos mudar nossa postura no mundo, o público e o privado. Em lugar de nos amargurarmos pela loucura, podridão e injustiça, podemos abrir mais espaço, ou algum espaço, para o bom e o belo, que afinal existem. Tentar curtir a natureza, saborear a arte, atender os necessitados, preparar crianças e jovens para a vida, cultivar harmonia na família, olhar para dentro de nós mesmos e nos escutar. É um bom começo. Olhar o mar ou o amanhecer, que são de graça e nos dão a sensação de que afinal nossas misérias são apenas misérias e que o grande drama é ter a alma mutilada pela amargura.'


(blog 'euamaria')

Se puder, sem medo

'Deixa tudo que eu não disse, mas você sabia

Deixa o que você calou e eu tanto precisava

Deixa o que era inexistente, mas eu pensei que havia'



(Oswaldo Montenegro)

Ela


'Tem olhos hipnóticos (...). E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor. '


Caio Fernando Abreu

Coerência

'Vamos ser coerentes, vamos? C-o-e-r-e-n-t-e-s, entende? No dicionário: ‘ligação, harmonia, conexão ou nexo entre os fatos, ou as idéias’. Na prática: viver o que se diz ser. Eu prego o perdão, não posso guardar rancor (embora guarde na maioria das vezes). Eu prego a espera, tenho que ser paciente. Ah, e eu prego a verdade, não posso mentir. Quem é sincero não vai agir com inconfidência. Eu prego a liberdade, tenho que libertar. Chega das incongruências nestes dias. Tem gente se dizendo fiel e sendo pérfido em segredo. Gente falando de ternura e matando em seus olhos por inveja. Gente que diz odiar falsidade e força lágrimas para aparentar uma delicadeza que não possui. Gente que quer transparência, mas tem uma vida que não pode ser descoberta. Quem é sincero não precisa dizer para ninguém. Quem é gentil não precisa convencer os outros disso. Já passou da hora de ser o que se diz ser. Ser predicado do mesmo sujeito, sabe? Vamos?'



(blog 'euamaria')

Ao desconhecido

'Nem sei se ainda estás por aqui. Mas teu pedido me pareceu tão pertinente, que intrigou: “Por favor, me diga quem é você! Me escreva e me conte o que tem vivido e amado!”. Não deixaste teu endereço, teu rastro ou qualquer outra forma de chegar a ti. Pois bem, te falo o possível, e daí começo a me apresentar: você, nem ninguém, jamais saberá mais que bem pouco de mim. Sou tão exclusiva, desconhecido. Queres notícias de minha vida? Mas o que desejas saber de uma desconhecida, por onde começar? O simples desta vida é que me atrai, a inteligência para mim é afrodisíaco e o carinho é o que há de mais lindo. Ando devagar e falo baixo. Tenho cabelos e sorrisos longos. Vivo em constante outono, e tenho estrelas até dentro do meu quarto. Desconhecido, eu habito no silêncio. Vivo poesia. E gosto muito de prosear. Se quiseres me reconhecer ao passares por mim esteja atento aos olhos, somente a eles. Os meus vão te pedir muito e deixar após passar, um aroma de lua, alguma coisa assim. No mais, eu tenho vivido minha descoberta. Claro e escuro, palavras e silêncios, entrega e cautela. Não que eu seja contraditória, mas eu sou imensa, descobri por esses dias. Tenho vivido o que a vida me dá de bom ou ruim, tenho vivido tudo que plantei e tenho plantado muito, desconhecido. Quanto a amar, é outra história. Desconhecido, eu amo demais. Fico exausta de amar. E na maior parte das vezes eu amo sozinha. E que importa, não é mesmo? Já me disseram que não preciso ser correspondida por ser ‘toda amor’. Foi bondade de quem disse, mas consolou meu coração. Só gosto de coisas raras. E amar mesmo, só tenho amado pessoas. Não consigo amar pipoca ou livros. Deles eu gosto muito, mas amar mesmo só pessoas. Dizem que eu sinto demais, e é verdade. Mas isso você só entenderia se pudesse sentir. Outra coisa, eu gosto de flor. E eu acho que amar exige maestria mesmo. Isso é o que tenho vivido e amado, desconhecido. Atenciosamente, a Maria.'


(blog 'euamaria')

Persuasão

'Eles não conversavam um com o outro, não tinham qualquer contato exceto o que era ditado pelas normas da boa educação. Outrora, tinham significado tanto um para o outro! Agora, nada! Não podia ter havido dois corações tão sinceros, nem gostos tão semelhantes, nem sentimentos tão em uníssono, ou rostos tão amados. Agora era como se fossem estranhos, não, pior do que estranhos, porque jamais se conheceriam. Seriam estranhos para sempre.'


Jane Austen in Persusão

Adeus

Que procuras? Tudo. Que desejas? Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

(Cecília Meireles)


'Fazia longas cartas a ninguém. Fazia cartas que rompiam o silêncio de um coração que era calado à força. Depois de escritas era como se tivesse dito tudo a quem não receberia a carta, e nada mais importava. Era obrigada a retribuir o egoísmo e estar satisfeita só em estar bem, a despeito dos outros. Escreveu uma longa e última carta, e mais uma vez despediu-me sozinha do que viveu sozinha. Jogou ao ar o que foi ilusão, o que foi engano. Recolheu seu coração, que estava entregue, e mais uma vez olhou para os lados. Solidão. Agarrar-se a que? A quem? Pela primeira vez - por resolução ou falta de opção - abriu os braços e deixou o vento a levar. Levar seu corpo, sua alma, seu amor. Fez da falta de porto um passeio ao voar por entre mundos. Fez da solidão seu recreio, e de longe se despediu de quem já virou as costas a tempos e nem mais verá o aceno. Adeus, adeus, sussurrou. Quem sabe um dia ele olhe para trás e perceba que há muito ela partiu. Talvez nem isso. Adeus, adeus.'


(blog 'euamaria')

Esperem


'Qualquer dia desses, não estarei mais aqui. Preciso sair deste lugar onde me encontro. Por vezes sinto vacilar as pernas no real, tanto quanto no pesadelo desta noite. Já não suporto a ausência de sustos diante das perfídias desta vida. Preciso resgatar aquela indignação típica de corações imaculados. Ah, eu não sei jogar. Os joguinhos a que somos obrigados a jogar não me atraem, e quando me obrigo, eu perco sempre. E não é ruim perder sempre, mas não saber jogar nunca. Não sei se vou buscar aprender a jogar ou a não me obrigar a isso em hipótese alguma. Prometo que na primeira oportunidade que tiver mando um recado por um pombo, um sinal de fumaça, ou um telegrama. Sentirei falta de tudo que fizemos e, principalmente, do que não fizemos. Não sei para onde vou. Na verdade, não tenho destino, nem opções. Mas eu quero sair daqui. Se perguntasse ao gato, a resposta seria aquela certeira: Então, pouco importa o caminho que você tome. E ele tem razão, sabemos. Então sem saber o que quero, embora saiba que quero muito, vou buscar por saber o que não quero. Preciso ir para não perder-me. Para não perder-me de mim mesma. Voltarei quando o riso estiver sem pecados e os pecados sem culpas. Contradição? A própria. Na volta vou bater palmas na porta e correr ao abraço que já está ensaiado. E quando eu for, esperem minha volta, em qualquer tarde branca, em qualquer dia escolhido para nós.'



(blog 'euamaria')

Em vão


'Desceu correndo e jogou-se nos braços do amigo. Após caloroso abraço e incontáveis beijos, percebeu a decepção nos olhos dele. Ele fora visitar seu luto, e para tal, esperou ser recebido pelo espírito quebrantado e pela alma sem esperanças. Ela sorriu e disse que não se preocupasse, estava colocando em prática o ‘apesar de’. Em vão. Para ele soava tudo como mentira de quem quer esconder o que sente. Ela revelou que havia dor sim, perguntas infindas sem respostas e a tristeza certa por tudo que aconteceu. Disse isso com um riso pródigo aos olhos dela, imoral aos olhos dele. Mas afinal, ele não estava ali para fazê-la melhorar, ela perguntou. Incomodou que ele não tivesse sido necessário para isso? Compartilha comigo, convidou, ‘e deixa as amarguras que se vão’. Em vão. Ele foi embora por ela estar feliz demais.'


(blog 'euamaria')

Sonho enterrado


'Do alto de um silêncio perturbador, falar nada adiantaria. As palavras daqui só saem pelo toque, transmissão instantânea ao abraço, ao aperto, ao contato. Se não podes ter contato, não poderias entender. Não poderia entender o calor de um sonho enterrado vivo, que se debate e como último recurso para causar piedade, chora. Chora gritando, clamando, implorando, suplicando para não morrer. Há dor maior em vê-lo chorar do que vê-lo morrer. A um sonho assim deveria ser proibido matar. Crime, é um crime. Mas que se faz? Enterra-o e vela-o em silêncio, silêncio de anos, silêncio de uma vida. Uma noite dessas o deixei lá, e segui. E não posso esquecer aquele pedido, aquele clamor, aquela chance – a que ele não teve. Sei que não entendes o que essas palavras te dizem. Neste silêncio um abraço te contaria melhor. Este abraço, este mesmo, o que não podes me dar.'


(blog 'euamaria')

Hoje não

'Ela estava decidida.

- Mas afinal de contas quem manda aqui? Já foi você! Não é mais! Quem disse? Eu! Tenho autoridade sim, quem disse que não?! Você? E quem é você? Já mandou, não manda mais. Não tenho medo, não vou calar e não vou sair daqui quando é você que está de intruso. Sai da minha vida e não volta mais. A vida é minha, a dor é minha, e as alegrias também serão. Não quero mais e não é medo, nem orgulho. É escolha. O que eu entendo de escolha? Simples, minha escolha sou eu. Não estou com ódio não. Eu quero é ficar livre de você e de mim quando estou com você - medrosa, insegura, boba - diria detestável se não fosse eu mesma.

Telefone toca e ela que nem estava pronta corre porque ele não acha mais encantador dois minutos de atraso.

- Deixa para dizer o que eu estava ensaiando amanhã. Hoje ele não ia gostar. Não seria bom estragar a noite.

Ela estava decidida. Mas hoje não.'

(...)


(blog 'euamaria')

Sente


'Sente aqui, querida. Não há mais nada além para fazer. Agora só te resta se deixar levar sem espernear ou lamentar. Ah, doce querida, não é tão ruim assim! Somos um pouco a vida dos outros também, sempre haveremos de sentir por eles. Coisas boas, ruins, certas ou erradas. Não esqueça que vai passar. Eu, por exemplo, já quis fugir com o circo. Mas não foi possível. Já quis eliminar quem hoje amo. O contrário também. Fiz os dois. Mas ninguém poderá te ensinar o que deverás aprender. É assim. Faz do agora tua escolha. Não é impossível, digo por experiência própria. É possível seres inteira em tudo. Sente por inteiro tua dor, só assim saberás o valor da alegria quando a roda da fortuna te trouxer. Idas e vindas, perdas e ganhos. Alternância com propósitos além do óbvio. E também impossível de explicar. É necessário sentir. Sente aqui, querida. Não há mais nada além para fazer.'


(blog 'euamaria')

.

Todo começo pede um ponto final.

Ponto.




(blog 'euamaria')

Verdade

'A mentira sempre foi detestável para mim. Por motivos muito pessoais, sempre a vi como inimiga. Concordo muito menos com pequenas mentiras. Reflexo de quem, desde sempre, teve grandes amores roubados por mentiras. Histórias que em minutos descobria-se mentira, pura, única e absoluta. Daí minha aversão às pequenas mentiras encobertas, que sei bem, muito bem, crescerão e novamente me roubarão muito. Marcas que faço questão de não perder. Vou ao extremo de que se não pode contar a verdade, não faça. Hoje me percebo esquisita quando vivo relações vista por outros de impróprias, mas que se mantém pela verdade. Vejo-me estranha quando não consigo alimentar amor por quem me faz mal, a despeito de todos que choram anos por não conseguir se desligar de quem tanto mal lhe faz. Perdoe-me, mas não sinto pena de quem alimenta mentiras e quer colher verdades. Não gosto de feições caprichadas para enganar corações sinceros ou lágrimas que tornam vítima quem não é. O mundo não perdoa os fortes, e há quem acredite que dramatizar o torna mais amado. Prefiro relações práticas, de quem ama em gestos. Prefiro não escutar declarações e ter certeza de que a companhia é certa. E ironicamente, embora tenha uma visão bastante romântica, não suporto mentiras melosas. Romântico para mim é estar junto com sinceridade, com amizade certa, apesar das diferenças e dissentimentos. Não acredito que seja romantismo manter a alegria fingida que não permite verdades com o pretexto de manter a aparência. Não consigo ver a lógica de alguém se sentir amado sabendo que amam nele uma mentira. Pois bato o pé e afirmo que não quero essa espécie de amor que mente para proteger. Isso soa tão irônico para mim, que como defensora nata do amor, acho um desrespeito chamar de amor. Quem ama não engana, não omite, não mente. Quem ama pode errar, é possível. Mas por ser amor, são sempre bem claros os sinais de que a intenção era pura. E antes que me julgue exagerada, purista ou falsa moralista, eu digo que não acho ou penso, mas tenho certeza, muita certeza. Afinal, eu amo. Na verdade, eu amo.'


(blog'euamaria')

Coisas grandes

'Não posso. Não assim por um instante somente. Pode ser por uma noite só, mas precisa ser eterno. É que não consigo manter nada pequeno, entende? Coisas pequenas exigem muito de mim. Muita esperança engolida, muito desejo contido, muita paixão mentida. A indiferença de ser adulta o suficiente para não alimentar coisas boas se torna líquida à noite e não me deixam dormir. Coisas pequenas tiram meu sono, meus sonhos e meus ganhos. É que meus beijos são de alma, e coisas pequenas apertam minha alma, fazem doer. Preciso do espaço para minha alma. Preciso que a deixe livre, que não a prenda a nada pequeno. Preciso das coisas grandes, as que libertam.'


(blog 'euamaria')

Aviso

'Por qualquer lugar do caminho o papel caiu da minha mão. Está por entre quaisquer pedras. O vento pode até tê-lo levado. Se o vires por aí, perdoa a bagunça das letras e dos sentimentos, era assim que estavam dentro de mim. Mas tenha um pouquinho de cuidado por onde pisas, peço. Podes estar desatento para o que era muito importante para outrem. Aviso-te, por uma estrada qualquer podes tropeçar, assim como o fiz, no que senti. ‘Não esqueça que estaremos sempre juntos’, era qualquer coisa assim.'

(blog 'euamaria')

Alegria


'Minha ausência das palavras deu-se por eu estar muito ocupada, escandalosamente feliz. Preciso compartilhar o que senti, e deixou em mim uma felicidade pequena, de quem ama grande. Sempre se gasta tanto tempo e tantos versos poetizando tristezas, que acho justo fazer o mesmo da alegria. Mas sem expectativas, nada aconteceu de estrambótico. Só estive perto de amores, os primeiros e os últimos, e os vi compartilhando risos e leveza. Coisa pouca mesmo, como tudo que é preciso para me fazer feliz. Devo considerar que, após exaustivas dores, é muito possível aprender também nas alegrias. E devo considerar mais ainda, que só o sentimento de memento mori me fez perceber as alegrias do presente como dádivas e não rotineiro merecimento. Se por tempos vivi uma liberdade silenciosa, agora não é mais possível esconder. O perfume de uma alma liberta invade. Indisfarçável. Senti orgulho de saber que estamos no passo certo e que são para pequenos momentos como estes que devemos continuar a caminhada - a permissão a nós mesmos da alegria sem culpa. Tenho sentido a melhor de todas as ledices, e a minha preferida, esta de completamente grata. Quem ama nesta vida – e reconhece – entende a que me refiro. Tenho dito.'


(blog 'euamaria')

Terra do nunca

'Acho que ninguém lembrou de dizer para ele, em algum momento, que ele poderia fazer diferente. Poderia ir fazer um curso, dançar só nas festas da turma, ou nada disso. Esqueceram de dizer que ele não era mais obrigado. Poderia seguir uma rotina comum, de gente comum. Acho que esqueceram de avisar que se ele não quisesse mais aquela vida, poderia parar. Seu pai não mais o puniria por isso. Acho que esqueceram de dizer que ele não deveria fazer o que eles não podiam fazer. Não poderia ter um parque, nem gastar os milhões que ele, e somente ele, lutou para conseguir, da forma que ele desejasse. Acho que esqueceram de dizer que no mundo de gente grande ter desejos lúdicos é pecado. Tentar ser feliz então, nem se fala, uma afronta. Ser feliz? Isso nem se discute, para os adultos isso não existe. Não se tem tempo para isso, ora! Acho que não disseram para ele que não adiantava explicar, se, mesmo tendo suas verdades, eram as mentiras que eles queriam. Não importava que o acidente tivesse queimado seu cabelo, quebrado seu nariz ou mudado sua cor. Esqueceram de avisar também que, se fosse só vaidade mesmo, ele não devia explicações a ninguém. Talvez se ele fosse um legítimo adulto, que colecionasse relações grotescas com mulheres e/ou homens e/ou drogas e/ou bebidas, tudo estaria certo. Se ao menos ele guardasse todo o dinheiro do seu trabalho ou doasse, mais ainda, para as crianças carentes – aquelas por quem eles mesmos não faziam nada além de fingir preocupação. Mas, não. Ele pecou muito, muito mesmo. Gastou do que ganhou, o que quis, como quis. Brilhou, indiscutivelmente. Gostava de bichos, brinquedos e crianças. E, além de tudo isso, encontrou um caminho para a Terra do Nunca. Mas, por fim, ninguém o avisou que ele poderia ficar tranqüilo, o problema não estava nele. O problema era que ele tinha talento demais, dinheiro demais, possibilidades demais, sucesso demais e luz demais e - estivesse errado ou não, pecando ou não - ele precisava pagar. Porque eles não tinham.'


(blog 'euamaria')

Era

'O que seria um bom dia cheio de cores, sabores e texturas, soa como um gesto de educação, que é dispensável quando causa mais dor que encanto. Era correr para o abraço, se jogar nas emoções e não ter limites para a entrega. Sem o menor sinal disto, transforma-se num aperto de mãos, tão inútil quanto álgido. Era a alegria, que levava letras e risos em cada declaração. Restou o silêncio, que nem sabia existir. Era o indisfarçável. Vira o sem luz. Era o palpitar do coração, que se transforma na distância incalculável de alguns passos. Era o eterno que – não se sabia – pode ter um fim.'


(blog 'euamaria')

Algodão-doce


'Deitada no jardim olhava o algodão-doce do céu. Pensou ser por isso o céu chamado de Paraíso. Se lá se anda por tão doce algodão, imagine o resto. O vento sorrateiro fazia afago no cabelo e os olhos se fecharam a tão terno toque. Foi quando gotas caíram sobre si. Que há de ser? Abriu os olhos e viu que o algodão-doce chorava. Sentiu dó, mas também achou lindo. Lembrou-se de perguntar, então: que haveria de ser algodão, se tão doces e no Paraíso, ainda choras? Ele pouco disse, ela também pouco entendeu. Compreendeu um pouco que os motivos nem sempre importam, sempre coisas virão e levarão nossas lágrimas. Compreendeu, mais um pouco, que há de ser bonito, que precisa ser. E que se é doçura que se tem, é doçura que se chora. Desde aquele dia, pensa ela, que a chuva é nada além de lágrimas suaves, de alguém que, não importa o que esteja sentindo, faz da sua vida - na dor ou na ternura – beleza, arte e doçura.'

(blog ' eu amaria')

Proteção

'Queria poder continuar a vê-lo, mas sem precisar tão violentamente dele.

Ela, ao se sentir protegida por ele, passara a ter receio de perder a proteção - embora ela mesma não soubesse ao certo que idéia fazia de "ser protegida": teria, por acaso, o desejo infantil de ter tudo, mas sem a ansiedade de dever dar algo em troca? Proteção seria presença?
Era como se ele quisesse que ela aprendesse a andar com as próprias pernas e só então, preparada para a liberdade (...) ela fosse dele.'


Clarice Lispector in Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres

Por hora


'Acho até bonita esta sobriedade que tem sido alimentada. Isso é ser gente grande, então? Chega a ser bonito seus olhos tentando ter menos brilho, para ter mais sabedoria. Acho bonito começar a colocar em prática esse plano, o de não fazer planos. Mas confesso que olhando bem, o brilho continua muito forte. No entanto, mais intimista, não menos convidativo, e surpreendentemente, mais generoso. Talvez seja esse aquele amor que dissemos tanto que viria para ti. Ou talvez não. A aceitação da alternância agora também brilha nos olhos. Talvez seja adulto conseguir rir do que a pouco foi tão doloroso, mas teve seu valor. Percebo, a cada dia mais, a liberdade é o vínculo mais forte que pode existir entre os corações. ‘Há uma calma que não condiz com a nossa pressa’. Não é falta de desejo, é o compromisso com o que se quer - que vai além de quem se quer. Somos o que fazemos, não é? Só em você essa verdade me alivia. Sigo os mesmos passos e, aceito tua verdade, não há paradoxo em ser livre e estar acompanhado. Inspiro-me em Lispector e atrevo-me a dizer que o que queremos não é liberdade, o que queremos ainda não tem nome. Mas de alguma forma já está por aqui. '


(blog ' euamaria')

Da solidão

'...a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.'

Vinícius de Moraes in Para viver um grande amor

Profecia

'De tanto amar, agora amargo.'
Cinéias Santos



'Nunca mais, nunca mais, repetiu incontáveis vezes. Nunca mais confiar, nunca mais acreditar, nunca mais me permitir, repetiu inúmeras vezes. Foi em uma não permissão que a vida escancarou diante dos olhos a oportunidade tão cálida quando sincera. Mas era tarde. Era tarde? Que pergunta era essa? Possibilidades não existiam. Ele não se permitia esta possibilidade. Pelo menos não mais. Não foi opção dele descobrir que confiar é um erro, sempre. Não foi uma opção dele aprender que o amor é lindo, mas não existe, pelo menos não para ele. Não foi opção dele que jamais conseguisse amar alguém como amara aquela mentira que criara em sua mente. Mais infame do que ser traído todas as vezes pelo seu próprio coração, era continuar dando chances a ele. Mais maculada do que sua alma, era sua esperança. Lembrou-se bem, a única coisa que conseguiu com borboletas no estômago foi náusea. Então, já bastava. Não mais acreditar, não mais esperar, não mais se permitir. Não foi opção dele que a paixão na vida dele fosse tão irônica quanto a possibilidade do eterno, uma efemeridade. Da mesma forma, não foi opção dele que o amor que ele esperava aparecesse quando ele não queria poderia acreditar. Nunca mais, nunca mais, repetiu incontáveis vezes. Mal sabia que desta vez a profecia se cumpriria.'


(blog'euamaria')

O que eu queria

'Pensei em sair e pedir a qualquer um, algum abraço. Não despreze a necessidade de estar envolta em outros braços. Também não se trata de nada, além disso. Um abraço somente. Sem mais delongas. Que mania de precisar o tempo todo complicar as coisas simples. Um amigo diria que às vezes uma coisa é só uma coisa. Não precisa interpretar, nem nada. Quanto ao abraço, não tem maldade no seu desejo. Aliás, nunca gostei da associação de desejar a maldade. “Você gosta dele?” “Sim, gosto, mas sem maldades”. Maldade? Qual a maldade de querer bem a alguém? E quanto maior o bem, maior a maldade? Não acho coerente. E quem se importa? Hoje, com ou sem coerência, queria mesmo era um abraço. De alguém que soubesse ouvir o silêncio. Alguém saber ouvir as palavras dos outros é dom, alguém saber ouvir o silêncio dos outros é quase magia. Queria um abraço mágico, então. Que não me medisse, muito menos pedisse. Que, em silêncio, estivesse acordado: é um abraço, só isso. Se bem que ‘só isso’ não define bem. “O que ele é seu?” “É meu amigo.” “Só isso?” Eu sempre quero dizer: “só amigo? Mas como assim, só amigo? É para ele que eu escrevo quando estou com insônia, é ele que escolhe presentes comigo, é ele que conhece meus amores e dores. Ele conhece meus segredos, e isso é muito. Como se atreve a usar um ‘só’ ao se referir a ele? Ele é muito, ser amigo é o mais que se pode ser. Pode-se namorar, casar, separar, voltar, amar e/ou odiar; e nem ser amigo. Repito, ser amigo é o mais que se pode ser. Entenda, um amigo.” Mas eu respondo: “só.” Infame divagação de quem usa as palavras para pedir que alguém escute o seu silêncio. Qualquer que seja o preço, qualquer que seja o peso, o silêncio faz-se necessário. Permito-me. Mas eu queria mesmo era um abraço.'


(Blog 'euamaria')

Cajueiro

'Meu velho, foi um ano difícil. Difícil de saudade. Lembro ainda com a exatidão do momento, nosso último abraço e o cheiro da tua cabeça branca. Ah, meu velho, foi neste ano inteiro o cheiro que mais desejei sentir. Ainda te vejo entrando no quintal ou chegando da feira com a cesta cheia de milho, pirulitos e amor, tudo de graça. Lembro da tua alegria com as frutas que nasciam no teu quintal e teu sorriso sorrateiro, de quem, teimoso, usava o açúcar escondido. Das suas discussões sem fim com ela, que tinham virado gracejo já no fim. A gente dizia e foi provado, era só amor que ela tinha por ti. Fizeste falta. Todos os dias. Levaste a parte de nós que nos unia. Talvez não soubesses, era o nosso único elo. O que temos em comum acordo hoje é tua saudade, nada mais. A tua e a dela, que partiu um pouco depois para aliviar o que nenhum remédio faz ainda pela dor da ausência. Teu nome continua trazendo risos aos nossos lábios, mas agora acompanha sempre olhos lacrimosos. Tenho vivido o amor em silêncio, como disse que o faria. Estou cumprindo minha promessa ao amor que tantas vezes me abraçou. É verdade, e o senhor sabia, onde há ato, não se precisa de palavra. Espero que eles um dia compreendam tua lição, e substituam mágoas por gratidão, por respeito ao amor que sempre nos deste, a despeito de qualquer diferença. Queria hoje sentar na calçada contigo, escutar teus casos, te ver sorrir. Queria pedir a tua benção, pegar na tua mão, sentir os teus dedos, ouvir tua voz, ‘vá com Deus, fia’. Teu amor é o que está presente nas melhores lembranças. Na gratidão eterna por ser teu sangue e na certeza de tê-lo amado muito e, milagrosamente, ser plenamente correspondida. Faz um ano, nosso abraço está guardado. Sinto, meu velho, não tarda muito o dia de entregar-te.'


(blog'euamaria')

Reticências

'Procura-se alguém que se divirta sem a indecisão do pré e o remorso do pós. Alguém que faça o que quer por escolha, e não vingança ou punição. Alguém que tenha idade para decidir e juízo para responder pelas escolhas. Alguém que se permita o novo, sempre e todos os dias. E que o novo seja o divertido, mas não necessariamente o irresponsável. Alguém que não seja inexperiente para se arrepender, nem experiente demais para desenhar qualquer fim antes do começo. Alguém que seja capaz de sintonizar o coração com o que deseja, e a custo de somente sua vida, ir à busca do que almeja. Alguém que tenha fugido do previsível e tenha conseguido se divertir sem acumular frutos de insensatezes. Mas que tenha guardado para o bem de todos e alegria geral da nação, os melhores frutos das mais tolas loucuras. Procura-se insensatos legítimos, que tenham o delírio por escolha e não consequência. Alguém que tenha descoberto que o grande mistério é não ter segredo algum. Alguém que saiba se divertir, sem culpar ninguém por isso. Alguém que entenda que liberdade permite tudo, mas também não exige depois. Procura-se alguém que queira se divertir para a vida toda, por um dia somente. Ou um pouco mais. (...)'

(blog 'euamaria')

domingo, 30 de maio de 2010

vida

“E quando chega essa hora da noite eu me desencanto. Viro outra vez aquilo que sou todo dia: fechada, sozinha, perdida no meu quarto, longe da roda e de tudo: uma criança assustada”. Caio Fernando Abreu


Sente aqui, vida. Vamos conversar. Tens teus direitos, és mantenedora e a única legitimidade que me permite estar aqui. Mas também devo ter os meus. E se não os tinha, eu os criarei de agora em diante. Pois já chega de brincar com os sentimentos alheios, já chega de tirar o chão quando a brincadeira está ficando boa. Não me ameace mais, por favor. Mal posso imaginar seus olhos indiferentes, frios às minhas lágrimas e meus pedidos. Não me faça acreditar que somos merecedores, nem me faça te desafiar sabendo que vou perder. Ah não, vida, não ria assim de mim. Seja benevolente, o mínimo que consiga, e me deixa conseguir um pouquinho do que preciso, e tens relutantemente me tirado. Não me deixe nesta solidão de sentimentos. Não me olhe assim! Não, não. Não vira as costas para mim. Pode me olhar, então. É preferível ao significado de total indiferença que tuas costas me trazem. Eu gosto de você. Não estou apelando, mas bem que poderia ser. Pode me levantar nos braços, tirar os meus pés do chão, mas me devolva, por favor. Não me deixa pagar pelas escolhas deles. Alivia um instante que seja. Permita-me buscar o ar e, pronto, volto para a sua brincadeira. Esta, a que desde o começo dos dias fui obrigada a brincar. Quando cansar, vida, já pode parar. Eu já quero descer.

O que procuras?

'O que procuras? O que vieste fazer aqui hoje? Procuras romances? Sonho? Verdade? Procuras a mim? Ou a ti? Queres que eu te dê voz? Que escreva por ti? Que diga o que não tem coragem? Ou não sabe? Ou não acreditas? Ou não podes mais? Queres zombar? Queres me diminuir? Ou te diminuíres? Queres que eu escreva o que queres ler? Queres o meu romantismo? Ou meu realismo? Queres duvidar de que seja possível? Ou queres acreditar que seja? Queres os meus olhos? Ou os seus? Pois afirmo que não encontrarás aqui nada além de ti mesmo. É teu olhar no meu que fará destas letras algo de bom – ou ruim. Se vieres com amargura vais sair daqui acreditando ser tudo uma grande ilusão de um coração romântico bobo demais. Se vieres com esperança vais sair daqui acreditando que é possível fazer tudo alguma coisa valer à pena. Se vieres não desejando nada, é com nada que vais sair. Vais entender então, um dia, que é teu olhar que faz o teu mundo. Que amas o que é teu em outro, e a recíproca vale para o ódio. Não é o que está diante de ti, mas o que procuras. A propósito, o que procuras?'


(blog:' e agora maria?')

Em tempo


'Precisava saber as horas. Pensava que se atrasara. De alguém ou de algo, não sabia bem. Sentia um pouco de medo. Contudo, era um medo quase bonito. Preferia crer que foi um atraso e manter uma nostálgica certeza de que não foi culpa sua. É mais fácil que admitir que nada acontecesse, embora houvesse tempo. Foi um atraso, e por isso não viveu. Referia-se a coisas bonitas, claro. Num futuro não. Em um passado sim. O que não viveu. Foi lindo o encontro que não aconteceu, o sucesso que não conquistou, a decisão que não tomou, o sorriso que não deu. Esteve em plena distração, em outra vida ou em outra rua. Nove horas, alguém respondeu tão sem afeto. Talvez o outro pensasse não precisar de afeto, era somente uma resposta irrefletida. Entretanto, em sua existência, era uma resolução: coisa de uns anos talvez ou apenas alguns minutos. Não sabia bem. Atrasara-se uma vida.'

(blog' e agora maria?)

Amaria

'(...) se angustiava por, mais uma vez, perceber-se deslocada num mundo onde os brinquedos mais divertidos eram formados nas rasas relações de sentimentos frouxos e que, para ela, não tinham a menor graça. Por isso ela sabia que era exceção, ainda era exceção, e já não sentia necessidade de inclinar-se para espiar o amor cotidiano, sempre aquém de si. Sua índole não lhe permitiria. Entrar no jogo seria desvirtuar o que mais importava em sua vida: o amor. Para esta traição de si não havia disposição. É só uma pausa, uma cauterização e um beijinho de quando-casar-sara para Maria continuar sua busca sem arrefecer. Afinal, suas disposições formam um manancial do qual brota os mais voláteis e rarefeitos traços de amor. E da mesma maneira que ela o cultiva em suas relações, necessariamente profundas, continuará buscando-o em sua forma mais pura. Basta passar o tempo da cicatrização, Maria voltará à ativa, e ainda uma vez se deixará entrar na brincadeira-de-cativar-o-coração-de-mariazinha, talvez tenha mais sorte. É assim. Tem de ser assim. De outra forma não poderia usar a denominação “Eu aMaria”!'

Por ele,

jotapontoqualquercoisa.blogspot.com

Gente grande

'Ele tinha medo de virar gente grande. Não admirava gente grande. Eles não choravam na frente dos outros, mesmo que o coração apertasse muito. Não se divertiam com gargalhadas sempre que a graça assim o pedisse. Não admitiam o desejo pelo último pedaço. Não podiam brincar. Não banhavam na chuva, nem deixavam gente pequena banhar. Podem ficar doentes, eles diziam. Mas tristeza também adoece, ele pensava. Ele não compreendia porque ser feliz era um pecado para os grandes. Gente grande precisava alcançar o sucesso. Lê-se: fazer qualquer coisa de que não goste, em todo o tempo que não tem, para ganhar dinheiro, muito dinheiro e mais dinheiro. Para não gastar com bobagens, vale ressaltar, no tempo que não sobrava. Gente grande não tinha tempo para bobagens. Bobagens? Pois sim. Foi até no dicionário e descobriu: bobagem é sinônimo de criancice. Certamente um adulto inventou isso! Assim, pensou: se criança vive criancice (!) ele era todo bobagem. E não interessava virar alguém indiferente a ele mesmo. Mas a vida prega peças e, sim, ele cresceu. Ficou magoado, chorou, quando no espelho, viu uma gente grande que gosta de criancices. Hoje ele se pergunta como é possível ser gente grande e continuar gostando de ser feliz. Enquanto procura a resposta, ele vai fazendo algumas bobagens. Lê-se: ele vai sendo feliz.'


(blog 'e agora maria?')

Passou

'Foi tal qual um pequeno susto. Um tropeço e aquele momento: não se sabe o meio – se deve chorar, gritar, fazer manha ou drama. O momento se interrompe pelo abraço, que na verdade era o fim desejado por todos os meios. A tal obscena compulsão por ser amado... Pois bem, então alguém se lembra de dizer: ‘pronto, vai passar. Passou, passou’. E passa! Não sem dor, não sem durar o tempo que deveria. Mas por não duvidar que vai passar e pela pequena paciência da espera, passa. E logo. Pode ser que incomode um pouquinho quando molhar, no começo – uma forma de lembrar o que aconteceu - então vai passar. Fica uma pequena cicatriz talvez, não sem propósitos. É por ela que não se esquece. A dor passa, o momento passa e o choro também. Mas a cicatriz fica. Ainda bem. Assim, ainda dá pra brincar, para pular, para se entregar e confiar, mas não com a tolice de pensar que nada de mal pode acontecer. Pode, pode sim. E efêmera verdade: vai passar. Sempre vai, vai sim.'


Retirado do blog: ' e agora maria?'

A porta

'Fulge escuridão. Um medo disfarçado bate à porta. Insiste, insiste. Ela não pode abrir. Não há compaixão que supere o medo. A melancolia acorda, invade com o morno sorriso do que - já passado - não a abandona. Pela janela vê a esperança, cabelos ao vento. Já vai distante. Esperança e passado não se acertam. Quando ele sair daqui, pois sim, ela volta. O sol alto... Cá a escuridão brilha.

Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta.'


(E agora, José? – Drummond)

Vasto

'Ela olhava e percebia tudo passar assim, breve. Sentiu o cheiro da terra, o cheiro do sol. Podia bailar o mundo inteiro com a simplicidade estampada dos coloridos de uma alma recentemente alforriada. Tinha naquela sabedoria silenciosa certa paz, alguma ou nenhuma espera. Compreendeu após as buscas por outros que tudo foi procura desnecessária. A busca era pelo de dentro. Procurou em outros sua própria alma. Desvairo. Ainda busca, mas agora por diversão. Diverte-se nas almas alheias. Faz dos amores, recreios. Sem pecados, com encanto. Um prazer indivisível. Todos são, pois não? O sentir é solidão de cada um. Como ele que prefere os começos, ela que já escreveu o fim. Compartilham então o meio - o presente - aquele sempre ignorado. Ela não consegue fazer com que sintam o amor que divide e assim, pôr fim às dúvidas. Ele não consegue que dividam o medo que sente e assim, dêem o agrado certo. Impossível pedir que alguém sinta o mesmo. Basta que alguém esteja disposto a tomar parte. A lógica se inverte mais tarde. Ou a vida não é isso? Esses desencontros de emoções que nos levam a novas chances no futuro ou frustrações bobas no presente - o que preferirmos. Não existe nada mais tirano do que as expectativas que, inevitáveis como são, tornamos maiores do que nós mesmos, impossíveis. Alimentamos a cada dia a nossa frustração. E somos tolos o suficiente para chorarmos com susto o que plantamos cuidadosamente todo o tempo. Já diria a canção: ‘e tudo que eu criar pra mim, vai me abraçar de novo na semana que vem’. Ela estava na janela espiando a vida lá fora. O cachorro que passeava após conseguir fugir e a alegria da liberdade, imbatível. Os namorados que timidamente conversavam e a beleza dos olhares dos que se querem bem. Os adultos que passavam de carro sem tempo para ser felizes, piedade. As crianças que de cócoras colocavam a plantinha para dormir. Que de súbito em uma corrida sorriam o que alguns levam anos para sorrir. Que tinham cabelos desalinhados e dentes faltando e ainda assim, gargalhavam beleza. Ah, a pureza das respostas das crianças. Ela sentiu um alívio ao pensar que alguém ainda sabia viver. E era ela.'


Retirado do blog: ' e agora maria'

Quebra-sorrisos

'Começou procurando no quarto. Nada debaixo da cama. Nada atrás dos travesseiros. Abriu o guarda-roupa, cada gaveta... Não encontrou nem um sinal. Saiu a procurar pela casa, vasculhando cada canto. Encontrou algum resquício atrás das portas. Provavelmente impregnado ali naquele dia em que bateu a porta e a raiva. Buscou mais e foi encontrando partes pequenas. Um resto em cima do sofá, de uma bela noite passada. Um pouco no tapete da sala, talvez de um dia em que rolavam pelo chão. Encontrou um pouco na geladeira, preso ao pote de sorvete. E uma quantidade razoável no álbum de fotos e na estante de livros. Depois foi aos discos e encontrou um pouco em algumas melodias antigas, coisas do Chico e do Oswaldo. Manteve a esperança e até encontrou em alguns gritinhos modernos, uma coisa de hopelandic. Foi assim que começou a caça por pedaços de sorrisos inteiros que um dia existiram. Ontem encontrou um risinho raro em uma carta. E hoje em um sonho, prevendo o futuro. Está formando um quebra-cabeça dos pedaços que perdeu. E foram tantos. Quem sabe, um dia aprende a fazer colcha de retalhos de pedaços de sorrisos. Quem sabe, não.'


Retirado do blog ' e agora maria?'

Vácuo

'Um vácuo de emoções, uma vontade de nada ou nenhuma coisa, tanto faz. O amor sempre virou cinza sem que eu sentisse o calor das chamas. Uma espera pelo que vai chegar, vai chegar, vai... Vai? Não sei, mas hoje choveu. E com trovões e relâmpagos. Sim, continuo gostando deles. Acho bonito. É realmente um gosto estranho. Sabe, acordei hoje e pensei em gérberas. Depois me espantei que no jornal a notícia importante fosse quem não roubou. Deveria ser o contrário, não? Ah, o sonho dos românticos! O poeta disse para não tirar a poesia das coisas... Acho que sinto fome. Uma fome arrebatadora. E nem poderia dizer que é fome pelo doce da vida. Sempre gostei do amargo, acho que acostumei com o sabor dos dias. Fome que pede saciedade para um amor, resposta para uma dúvida e dúvidas perante minhas respostas. Fome de uma firmeza insana, de braços estáveis. O coração ronca e os lábios desenham um sorriso pequeno, pedinte. Acorda de um silêncio abrasador. E sai alucinado, cheio de aforismos. No meu sonho, ontem, o céu escuro e o sol estavam na mesma linha de visão, o mar e a montanha gelada. Sei lá, acordei crendo que tudo era possível. Acho que vai durar até o próximo sonho.'


“Alguém me dê um coração
Que esse já não bate
Nem apanha”

(Alice Ruiz)



Retirado do blog: 'e agora maria?'

Fim

'Entendo quando é chegado o fim. Aceito o ponto final, o fechar das cortinas. Em meio aos aplausos e aos olhos inundados compreendo que a nostalgia é o que resta. Sinto um fim se aproximando. Sinto que algumas coisas já estão virando lembranças e meu olhar já denuncia despedida. Depois ouvirei rumores do quanto é possível ser insensível a perdas. Bobagem dos que não sabem virar páginas. Viro a página. Visualizo o fim. O espetáculo mergulha em solidão, no silêncio do que foi bonito e bonito, se foi.'


Retirado do blog: ' e agora maria?'

Começo

"Quem foi que assim nos fascinou para que tivéssemos um ar de despedida em tudo que fazemos?"
(Rainer Rilke)

'Estava inebriada. Cambaleavam todas as loucuras sonhadas. Estava em sonhos. Eram possíveis. Fazia de seu presente, lembrança. Fazia das lembranças, presentes. Seguia entre sonho e realidade. Brincava, obedecendo ao poeta. ‘Um dia serei feliz? Sim, mas não há de ser já: A Eternidade está longe, Brinca de tempo-será.’ Brincava com a astúcia de quem conhece a dor, de quem sabe que tudo que a gente quer passa. Que esperar é quase sinônimo de superação. E que amor e liberdade são sinônimos, fora do dicionário. Que o único alívio é um carinho. Que existem tragédias, romances, drama, comédia, mas nada disso de forma independente. Que somos tantas faces, que somos tão possíveis. Que não há ninguém que nos impeça e nos permita mais do que nós mesmos. Que qualquer coisa só nos magoa uma vez de surpresa, o resto é escolha. Que qualquer silêncio é melhor que uma palavra doída. E que nenhuma palavra é melhor que um abraço bonito. Que quem fala de amor carrega mais esperança que certezas. E que utopia é acreditar que amor é ilusão e mesmo assim se pode ser feliz. Que as únicas coisas de que se necessita são indissociáveis do corpo. E nenhuma pessoa, nenhum lugar ou nenhuma situação pode ser escape para um coração em desespero. Sabia que todo dia a esperança se renovava, mas ver nos olhos, no clima e nas roupas de todos que a esperança transbordava neste dia exato, pintava a alma de branco e trazia a sensação de que agora sim, agora a gente podia começar outra vez.'


Retirado do blog: 'e agora maria?'

A chance

"voa coração. ou então arde" (Eugénio de Andrade)

'São presenças que vão se tornando lembranças. Abraços que viram poesia no coração ao mesmo tempo em que acontecem. É que ela começa a arrumar as malas e começa por dentro. Faz dias, retira excessos e, surpresa, era quase tudo excesso. Foi quem partiu muito depois do que deveria, foi quem voltou quando não mais se fazia necessário. Foi quem apareceu tarde. Foi quem finalmente surgiu. Foi o tempo dedicado. O tempo perdido. Foi. É tempo. De esvaziar o coração para se preparar para o novo, de guardar o que se deve guardar, se é que se pode. Finalmente começa a brilhar uma luz no fim do túnel quando ela já estava gostando do escuro. Ou se acostumando, tanto faz. São palavras que se moldam novas, castas, como jamais existiram. É que tem nas mãos a chance. Uma chance bonita, sonhada. E uma pressa de viver definitiva. Porque a oportunidade tão esperada já espreita muito perto. E agora ela se despe de todos os pretextos e vai.'


Retirado do blog: ' e agora maria?'

Do silêncio

'Andava assim, em silêncio profundo. Cada vez com uma certeza maior de que um dia não terá mais volta. Terá mergulhado em vasto segredo, em profunda quietude. Não te assustes, é um silêncio bonito. Uma serenidade pura, um sossego valioso. O mundo anda acabando, dizem. Usa então o tempo para realizar. Diminuiu o tamanho dos sonhos. Hoje eles têm um tamanho possível. Falam, é muito conformada. Incomodam-se, anda muito contente. É que existe uma vontade, um delírio. É que a cada proximidade do fim apressa-se a viver os detalhes. É que sempre são detalhes. Aqueles risos gostosos, que deveriam ser protegidos de tão preciosos. As juras tão belas quanto impossíveis. A esperança de que a vida poesia traga doçura no fim. E quiçá, aquele sonho um dia se realize. Além disso, promete não demorar mais. E também nunca mais fazer promessas.'


Retirado do blog: ' e agora maria?'

A quem partiu.

'A gente diz adeus a quem já partiu?
A gente acena e diz ‘foi um prazer’, quando já viraram as costas?
A gente afirma que vai ficar tudo bem, quando já está tudo bem?
A gente pode dizer ‘foi lindo, sabe?’, quando isso não importa mais?'


Retirado do blog:' e agora maria?'

Lisergia

'Na verdade, ela não queria uma solução. Não adiantava o quanto a ensinassem fórmulas para ser feliz. Lê-se, desligar-se do passado que fez e faz tanto mal. Ela amava aquele mal. Vivia uma afeição insana, tão almejada. Apetecia por autoflagelação com disfarces de amor. Todos os dias quando acordava, abraçava o passado. Alimentava, para não deixar morrer. Pensava assim ser persistente. Dizia ser forte por não desistir. De si, desistiu há tempos. Um tempo em que ele não existia e ela sim. Seguia assim então, evitando espelhos. É que sempre teve medo de monstros. No começo eles tinham cara de monstros mesmo. Hoje são mais terríveis. Os monstros têm forma de gente - e por vezes até gente bonita. Mas medo, medo mesmo ela sente do monstro que encontra sempre que acorda, segura o passado nos braços e olha no espelho. Hoje ela sente muito, muito medo dela mesma.'


Retirado do blog: 'e agora maria?'

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Until gravity feels sorry for you, and lets you go

'Pode parecer que não, mas foi tudo se desfazendo aos poucos.
O grão de areia que ficou preso na ampulheta obstruindo a passagem do tempo deu lugar ao conhecido fluxo de grãos, até o momento de virar de ponta-cabeça mais uma vez e fazer tudo começar de novo. Foi pensando assim que ela decidiu dar o último gole no café e pegar o trem na direção oposta. Acelerou o passo, como se no trocar de pernas pudesse jogar para longe com mais vontade a areia que até então as encobriam. Era nítido o esforço que fazia; se prestassem atenção, mesmo com a estação lotada àquela hora, qualquer um perceberia que ela se movia tal qual uma nadadora em areias movediças -- cada passo, um pedaço de vida que impedia de submergir.

Nada aconteceu de repente, repito.
Quando enfim chegou ao outro lado da cidade, sacudiu os últimos grãos que ainda enchiam seus bolsos e sentiu a gravidade pesar menos em seus ombros, embora seus pés ainda marcassem o chão ao andar. Entrou na primeira e mais alta construção que viu, subiu andar por andar sentindo o corpo ficar mais leve a cada degrau. Ao chegar ao topo, notou que flutuava, os pés a alguns centímetros do chão. Não conteve um sorriso nessa hora. Arregalou os olhos como se assim pudesse ver com mais precisão a distância que a separava do teto do prédio. Bobagem, pensou, a estas alturas, que diferença faz? Sentiu o peito encher-se de alívio enquanto o vento a carregava, fechando os olhos que não ousariam mais se abrir.'

Retirado do blog: coletivo de ideias

Temporal

'Começou com a escuridão. Leve... o céu estava na verdade apenas cinza. Mas era possível perceber que tudo já não era iluminado como antes. Os olhos já não brilhavam com a luz do sol, e eles pareciam sombrios e amedrontados. O mundo parecia sombrio e amedrontado visto de dentro. Visto de fora.

Algumas poucas gotas poderiam anunciar a chuva que estava por vir, mas continuou não dando atenção a esses sinais. Continuou caminhando, continuou indo em frente, como se o temporal que se anunciava não fosse capaz de atrapalhar seus planos. Um temporal que já se anunciou muito tempo antes de efetivamente começar.

Uma garoa leve, daquelas que apenas arrepiam suavemente os pelos do braço. Ali, parou e olhou em volta. Ninguém acompanhava seus passos, todos estavam já muito distantes procurando um abrigo ou caminhando num sentido contrário. Ninguém acompanhou sua estrada e por isso ninguém viu tudo o que estava vendo. Ninguém viu quando a chuva começou de verdade.

As gotas caíam pesadas sobre o seu corpo, como que castigando o que quer que tenha feito de errado naquele pouco tempo, antes da chuva. Chuva, ventania, frio. Uma água gelada, como que cumprindo o dever de esfriar as emoções, congelar corações e fazer as coisas voltarem ao seu lugar, através daquela enxurrada que tudo lava.

Não percebeu a solidão que acompanhava seus passos desde o início da escuridão. Não percebeu a solidão que habitava tudo ao redor com o primeiro sinal de ventania. Não parou pra pensar porque as pessoas iam todas para um lado, e continuava a caminhar pra onde tudo era vazio. E então, quando a chuva parou de cair, percebeu todos os motivos, todas as razões, todas as faltas, todas as falsas presenças, tudo o que nunca tinha sido, e nunca seria.

E nunca mais choveu.'


Retirado do blog: coletivo de ideias.

Tormenta

'A gente nunca passou por nenhum esquema de tortura e tals, mas temos a mania de falar que estamos sendo torturados sempre que temos que passar por alguma situação que não nos apetece. Um programa de TV, um programa de índio, uma reunião com o chefe, olhar pra pessoa que você sente aquele tesão e não poder falar nem fazer nada. Passar em frente uma doceria na pior fase do seu regime, entrar num empório de bebidas enquanto deve se manter abstêmio. Enfim, essas coisinhas do dia-a-dia que chamamos de tortura.

Mas seria a mesma dor? É possível compararmos essas dorezinhas momentâneas a algo como tortura?

Bom, na definição do dicionário, sim. Porque a tortura em si é traduzida como angústia, dor e sofrimento. É torturante ter que ficar em casa quando se quer sair, torturante a convivência com pessoas que você não gosta ou simplesmente é obrigada a conviver, mas não quer. Aquelas pequenas provocações públicas que os amantes costumam fazer, como brincadeira, atiçando o fogo um do outro. Assistir a esses programas de culinária quando você não tem nem um miojo em casa.

Ouvir pagode no ônibus [numa daquelas infinitas demonstrações de pobreza de espírito que surgiram desde a invenção do celular com MP3 a preços populares] quando você não tem nenhum fone de ouvido para se isolar do mundo. Pode substituir pelo ritmo que você odeia, o que mais me aflige por exemplo é o funk. Ver seus amigos combinarem uma festa justamente naquele dia que você não pode sair de casa, ou porque já tem um compromisso marcado, ou porque prometeu pra sua mãe que iria levar sua tia Cocotinha de 60 anos pro bingo.

Uma sensação de angústia tão grande aperta o nosso peito nessas horas. Como se aquele momento fosse durar para sempre, como se a gente fosse ficar paralisado ali, por horas, por dias. Como se não houvesse a opção de não termos que viver isso. Como uma obrigação. Sofrer é uma obrigação.

Mas não é. Você pode sempre pegar outro ônibus e se atrasar um pouco para qualquer compromisso que seja, e evitar o estresse e a angústia de ouvir o som que você não quer. Se o programa de TV te irrita, você pode trocar de canal, ou ir dormir. Se o seu amante está te provocando em público, lance a proposta do motel e acabe com a tortura sexual. Não aguenta mais ficar em casa, saia. Tá fazendo regime, pare de olhar pra comida como se aquilo fosse sua salvação. Resolveu parar de beber, evite os bares e empórios.

Durante muito tempo, eu procurei uma solução para a tortura que é amar. Amar e não ser amado, que é uma dor que parece que nunca vai acabar. Que parece que a gente vai morrer disso. Amar e não ser amado se equivale, para alguns, a uma faca sendo cravada no peito todos os dias. E a ferida se cura à noite e no dia seguinte a faca tá lá, novamente. Porque parece que é incompetência nossa, essa de não ser amado [mas sobre essa incompetência eu falo outro dia].

Pois bem, tem solução. É simples, é fácil, muito mais fácil do que você imagina: ame a si mesmo. Se venere, se idolatre, se adore, se seduza. Seja apaixonado ou apaixonada por si mesmo(a). Porque quanto mais você se amar, mais fácil será superar a angústia da faca entrando no peito todos os dias. Você pode até sentir a faca entrando no seu peito, mas ela não passará o dia inteiro lá, até a noite cair.

Você conseguirá delicadamente tirar a faca, e viver a vida de peito aberto. Porque amar alguém pode ser muito gostoso... doloroso e gostoso. Mas muito mais divertido é se apaixonar por si mesmo todos os dias.

E o melhor: muito menos torturante.'

terça-feira, 25 de maio de 2010

Algo de mim.

'Sentada na varanda do meu apartamento, com as pernas para cima apoiadas no parapeito... Ficava a observar a calmaria da madrugada, o som dos bichos da noite, o ecoar da aceleração dos carros que passavam pela rua, tão movimentada durante o dia, mas que durante a noite se revela outra.

Tentando entender coisas e pessoas, tentativas falhas, em vão, sem muito sucesso, na verdade. Mas que repeti durante certo tempo incessantemente.

Até mudar meus costumes para algo ligeiramente mais perigoso. No auge da madrugada, me vestindo de modo nada atraente, mais para parecer um homem, quase um mendigo, para não chamar muita atenção... Caminhava pelas ruas por alguns minutos. Observava os prédios, as janelas dos prédios, luzes apagadas, luzes acesas. Uma calma, uma paz sem tamanho. Apesar de ainda não entender coisas, nem pessoas.

Observar minha mãe e irmã dormindo - que por sinal até agora nem tinham noção deste meu costume - mas tendo em vista a serenidade dos seus corpos, sinto como se tivesse passado mais um dia de trabalho cumprido. Elas eu entendo um pouco mais a cada dia.

Gosto de observar. Sempre gostei. Não importa o que seja. As pessoas por exemplo, gosto de observá-las, pois nem sempre o que dizem condiz com o comportamento das mesmas. Ou então enfatiza-se ainda mais o que dizem. Alguns não me acham agradável por fazer isso, pouco me importa, se acaso foi isso que me fez evitar até hoje grande parte de conflitos, atritos e afins, continuarei agindo da mesma forma. O conhecimento em suas várias facetas, me intriga constantemente. Buscarei sempre o seu acúmulo.

A minha gente, gente que convive comigo, sem dicernimento da importância de cada um, exemplifico aqui algo que nem palavras poderiam explicar em dados momentos. Com alguns compartilho minha felicidade e outros são a própria felicidade! Aos restritos, um sorriso gostoso para mim e me deixo ficar inteiramente boba, simples.

Ainda não entendo muitas coisas, tampouco as pessoas... só espero ter algum dia a sabedoria suficiente para me entender por inteiro ou grande parte de mim.'

Bianca Rangel

domingo, 23 de maio de 2010

O aquário trincado.

Parece que foi há minutos atrás. E dependendo da situação, décadas.
Exemplo: viajar é complicado, as paisagens me embalam em inúmeras lembranças e sensações, em fatos que teimo em lembrar. Mas é aleatório, quando percebo... aconteceu.
O cotidiano ajuda a diluir a dor, anestesia os vícios e dá esperanças. Mas tem dias em que é tão complicado! As "ondas" chegam fortes, destruindo o pequeno castelo de areia construído.
Chego a conclusão que viver com pequenas rupturas é uma arte, assim como ignorar várias coisas gratuitas. É, tem muitas pessoas masoquistas e combater é preciso.
Não tenho medo de expor isso, todos possuem uma fraqueza. MAS A VIDA É MUITO MAIS DO QUE ISSO, é sobreviver em momentos infernais, se satisfazer com outras coisas. Um novo vício, uma nova paixão (por coisas e hábitos, rs), um novo gás, uma nova meta.
O poço tem uma mola*... Se olhar no espelho, se amar e abdicar erros é a melhor atitude que alguém pode fazer por si.
Afirmo sem medo: saber dizer não é uma espécie de salvação.

*(sim, sou clichezona pacas)'

Blog: apenasalguemdiferente

Angústia


'Angústia é a coisa mais dolorida do mundo. Não tem cólica renal que se compare a sentir no coração uma dor aguda e fininha que Buscopan nenhum tira. E é um negócio meio bad trip, você não consegue parar de pensar naquilo e dói e enche o saco e você só quer que aquilo passe e parece que nunca vai passar e as palavras saem atropeladas e você se atropela também nas atitudes e dá nó na garganta e vontade de chorar e culmina num puta-que-pariu-minha-vida-é-uma-merda.

Eu já tive um montão dessas crises, por vários motivos, e eu estou cansada de saber que passa. Tudo passa, eu sei, e eu sempre uso os mesmos versos da mesma música pra me acalmar:

Oh, let the rain fall down
And wash this world away
Oh, let the sky be grey
'Cause if its ever gonna get any better
It's gotta get worse for a day

SAP:
Deixe a chuva cair
E limpar esse mundo
Deixa o céu ficar cinza
Porque se isso ficar melhor alguma vez
Vai ficar pior por um dia


Só que às vezes chove pra caralho.

O meu ano acabou de começar, acabei de voltar pra casa. E aí, antes de desfazer mala, antes de beber água, antes de ver email, antes até de fazer xixi, antes de TUDO, eu pego o telefone tremendo de saudade e ansiosa por um feliz ano novo que não veio no réveillon, nem depois e nem depois. Eu já vi esse filme um milhão de vezes, eu sei exatamente o que eu não devo fazer e, veja só!, eu não faço. Juro, fiz tudo certinho. Respiro fundo, me controlo, falo oi e converso normalmente - tão normal quanto a porra da angústia me deixa ser -, mas nunca consigo controlar a entonação de saudades imensas. Imensas mesmo, como há muito tempo eu não sentia. De ninguém.

E é tudo muito rápido, não dá pra sacar qual é. Não sei se a pouca empolgação se deve à pressa de sair em meia hora para viajar (de novo?!), se é porque tinha alguém perto, ou, na pior das hipóteses, eu não percebo a mesma vontade do outro lado porque alguma coisa mudou durante as viagens dos feriados. Obviamente, ansiosa que sou, só consigo pensar na última alternativa. E, olha, não vou te enganar, não: DÓI!

Dói no peito, na cabeça, na barriga. Dói porque eu sei que o melhor a fazer é não falar nada, não cobrar nada. Dói porque, mesmo se eu quisesse me atropelar e ligar o foda-se e dizer "qual é, hein?", eu teria que esperar 20 dias pra isso. Dói tanto que eu não quero me mexer na cadeira. Eu quero é ficar estática, só lembrando das últimas conversas depois do Natal, tão mutualmente carregadas de carinho.

"Quando eu voltar a gente conversa com calma, tá?" Quanta coisa isso pode significar?! Aaaaaaaahhhhhhh, fucking 20 dias!!! O que aconteceu nessa porra desse réveillon??? Tem alguma coisa me comendo por dentro, e eu não costumo me enganar tanto. E o que mais dói é pensar que ainda vai doer mais, porque essa paixãozinha que começou besta e despretensiosa se tornou um negócio grande demais pra caber em mim; é possivelmente a maior da qual eu consigo me lembrar. Parece bobo quando eu coloco isso em palavras, mas na minha cabeça é óbvio e é incontrolável. E perder o controle também dói.

Ok, eu estou oficialmente com um nó no peito e outro na garganta e preciso me desfazer deles o mais rápido possível. Vou tentar voltar com a vida social (depois da super correria de dezembro) e aceito outras sugestões pra acabar com a palhaçada e sobreviver com dignidade a isso tudo que dói tanto.'

(Retirado de um blog.)

O monstro terrível do rancor


Vocês guardam rancor? Eu guardo.
Não deveria, é feio, dá câncer, peso no coração, bla bla bla, mas eu guardo. Muito. Às vezes parece que eu pego o rancor e vou potencializando, somando, e o que começou com um rancorzinho de nada pode terminar como um monstro gigantesco e assustador, pronto para devorar qualquer um vivo. Inclusive, tenho a nítida impressão de que ele me devora viva.

Eu li aqui uma frase muito inteligente sobre rancor e gente que o guarda. E eu concordo que é inteligente e correta e um objeto de vida especialmente para pessoas como eu, mas não consigo simplesmente deixar pra lá. Sabe quando você tá com um probleminha te atormentando e nego fala “aah, deixa pra lá”, meio sem saco para pensar numa resposta ou solução melhor? Pois então. Eu NUNCA deixo pra lá.

Eu lembro de maldades estúpidas que coleguinhas de escola me fizeram. Lembro de umas comidas de rabo grosseiras que meu pai ou minha mãe me disseram. Lembro de olhares indiferentes, risadinhas de canto, beicinho, tudo, tudo, tudo. Gente, sério, se rancor matasse de câncer era para eu ter morrido cheia de tumores com uns 20 anos.

Mas que dá um peso no coração, aah, isso dá mesmo. Muito peso. Parece um elefante entalado na garganta.

Infelizmente não posso fazer nada com o elefante, tenho que largar ele lá. Tem horas que eu esqueço e parece que o elefante saiu da garganta, mas na verdade ele só fez um regiminho. Ficou meio magro, coitado, mas tá lá, pronto pra engordar tudo de novo com a próxima rancorizada que me proporcionarem.

Ih, confundi o elefante com o rancor. Enfim, vcs entendem o que eu quero dizer.

É óbvio que as pessoas podem amenizar um pouco o rancor que eu tenho delas, é bem fácil: é só pedir desculpas e se portar como pessoas respeitadoras se portam. Mas eu quero desculpas DIRETAS, nem vem com desculpinha disfarçada. Pedido de desculpas de quem mooooorre de vergonha de pedir desculpas? Enfia no cu.

“Desculpa, Rachel, por ter sido um completo ignorante sem noção, por não ter pesado as consequências, por ter subestimado vc”.

Aí sim, desculpo e o monstro do rancor some. Quer dizer, some se não estiver muito odiosamente grande. Senão, malandro, fudeu, só quando você morrer.

Bom, nem assim vou desculpar. Então é isso, fudeu.

Eu vou tornar a sua vida um INFERNO caso tenha muito rancor seu?
Não, não tenho poder para isso, a não ser que eu seja sua chefe ou esposa ou melhor amiga. Ou uma pessoa muito muito próxima. Meu rancor não some fácil e eu martelarei muitas vezes e guardarei tudo o que você fez. Terei armas contra o seu próximo ato maldoso e, aquele sentimento de resguardo e confiança plena que eu tinha por você acaba de dimínuir mais de 1/3. Mas que eu vou me vingar mais cedo ou mais tarde, pode apostar que vou e a maioria das vezes eu nem penso na vingança, ela simplesmente acontece. A não ser que você ature ou tenha peito para ter uma discussão incansável comigo, até que eu te derrube e te faça sentir o mais insignificante e imbecil diante de teus atos, e te force espontâneamente a me pedir perdão de joelhos implorando meu carinho de volta (não somente uma vez, mas algumas vezes), aí sim, minhas desculpas verdadeiras aparecerão, caso contrário aguarde.
Mesmo que vc diga que a sua felicidade não depende de mim.

[ohohohoh, me senti a bruxa do 71]