Pedaços Humanos

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

É simples mas complicado

Eu tenho verdadeiro horror de quem não me conhece (ou me conhece há cinco minutos) e me chama de amiga. Pior ainda é quem força uma intimidade inexistente. Respeito e prezo muito o meu espaço, a minha vida.

Tem gente que adora estar rodeada de gente. Eu também gosto. Mas prefiro estar rodeada de três ou quatro pessoas verdadeiras do que uma multidão que assim que eu virar as costas vai marcar uma reunião pra falar da minha roupa, do meu cabelo, do meu peso ou do meu casamento.

Já convivi com diversas pessoas e entendi que o que é meu tenho que guardar pra mim. Não é legal abrir o livro da vida pra quem senta no bar pra rir e tomar umas e outras. Não dá pra jurar de pés juntinhos que Fulana é muy amiga. Ainda mais quando a dita cuja tem no currículo o tópico adoro-me-reunir-com-as-amigas-pra-falar-dos-outros.

Sinceramente, detesto que metam o bedelho na minha vida. Lembro que quando era mais nova vivia colada no telefone. Fulana, o que eu faço? Fulaninha, ele me disse tal coisa, o que será que eu digo agora? Fulaninha, hoje fiz luzes no cabelo. Fulaninha, comprei um vestido novo. Fulaninha, vou viajar para Trancoso. Olha, eu aprendi que a gente deve é ficar quieta. E que nem tudo deve e precisa ser compartilhado.

Aprendi a pensar sozinha. A decidir as coisas por mim. E, principalmente, a não perguntar o que o outro acha da minha atitude. Deve ser por isso que alguns amigos não entenderam e se afastaram. Devem ter colocado a culpa no meu relacionamento. As pessoas gostam muito disso: Fulana mudou porque arrumou namorado. Na verdade, muitas vezes ocorre o seguinte: você mudou porque Fulana está namorando. Você mudou porque Fulana não te liga a toda hora pra perguntar que cor de esmalte passa na unha. Você mudou porque agora a Fulana não sai mais de quinta a domingo. Você mudou porque a Fulana arrumou um emprego, uma casa e uma vida. Você mudou porque agora acha que não tem mais nada em comum com a Fulana. As pessoas têm a triste mania de colocar a culpa em cima de quem começou um relacionamento. E isso é errado.

O amigo de verdade entende que agora você não tem mais tanto tempo livre. E que, independente disso, continua sendo amigo. Que você pode contar com ele. Que você pode usar e abusar do ombro dele. Que você pode seguir rindo e chorando com ele. Só que agora não são mais dois. Na verdade, nunca foram dois. É sempre um. É sempre a gente. É sempre eu. É sempre você.

Eu não vivo sozinha, preciso dos meus amigos. É bem verdade que hoje não sou grudada em ninguém, só em mim. Mas acho que isso a maturidade me trouxe. Não que eu seja a super adulta, muito pelo contrário: vou ser uma eterna criança. Mas não preciso mais do palpite, conselho e aprovação dos amigos pra tudo, coisa que um dia precisei. Hoje eu decido por mim. Se brigo com meu marido não corro para o telefone pedir um conselho para alguma amiga. Me resolvo com ele.

Acho a amizade entre os homens mais fácil. Não existe cobrança, não existe disputa, não existe cara feia, não existe nada disso. Eles se encontram, comem churrasco, tomam cerveja, jogam futebol e conversa fora. Dão gargalhadas e combinam de se ver no próximo mês. Já as mulheres estão sempre competindo. Cuidando as pontas duplas do cabelo da outra, cuidando um passo em falso, cuidando uma infelicidade escondida no olhar. Oi, ontem fui jantar com a Fulana. E aí? Ah, eu achei ela tão gorda, cheia de olheiras e ainda por cima usava uma bolsa surrada! Entende a diferença? Homem é mais sincero.

Um dia a gente acaba aprendendo que amizade não é grude. Já disse isso muitas vezes. Amizade não é grude. É você guardar pessoas especiais dentro do seu coração. É mostrar que a pessoa pode contar com você, não importa a hora nem o lugar, nem nada mais. É demonstrar o sentimento. E se o outro não der bola, tudo bem. Vai ver que não era amigo de verdade.

Clarissa Correa

Aquilo que não volta

Parece que nada mudou, apesar de eu ter me transformado tanto nesses anos. Agora, estamos frente a frente e sinto meu coração derreter como derretia há anos. Me encontro em frangalhos, te encontro com o sorriso mais lindo que já vi. E me pergunto: até quando esse sentimento vai me perseguir?

Ando um pouco apatetada, quando penso em você lembro de como nossos caminhos não se encontraram. As respostas insistem em sair correndo, tento alcançá-las, mas algo me para. Talvez seja o pouco de vergonha na cara que me restou, talvez seja minha prudência dizendo chega. Não sei, procuro afastar tudo que possa te manter longe das minhas memórias.

Não sei ao certo se toda essa ideia romântica de encontrar a pessoa certa serve para mim. Queria poder ser feliz para sempre, então penso será que alguém é mesmo feliz para sempre? Por que aceitamos e queremos comprar essa verdade? Não seria mais fácil ver as coisas exatamente como elas são? Por favor, não me entenda mal, só quero que você saiba que nem todo mundo nasceu capacitado para a tal felicidade. Muitos têm problema de visão e/ou interpretação. Outros tantos querem uma felicidade na forminha de gelo, coisa que não existe, nada é como nos nossos moldes mentais.

Nós acabamos nos perdendo e não há nada que possamos fazer para o tempo voltar. O tempo é impiedoso, urgente. Ele não quer esticar a mão e ajudar os necessitados, o tempo é egoísta. Por isso, nada mais nos resta. Não, eu não vou lamentar, não vou lembrar do tempo bom, mesmo por que a memória é traiçoeira, ela insiste em nos mostrar somente o que foi adocicado. A memória nega a luta, a lágrima, a memória não aceita a tristeza e a falta de cor.

Por favor, deixe pra lá, não perca seu precioso tempo com essas palavras tolas. Sei que você não deu a mínima no passado, não é agora que vai resolver voltar atrás e me enxergar como sempre fui. Mas não te culpo. Antigamente, eu não me via como realmente sou. Abri a porta. Espero que o que restou de nós dois fuja de casa.

Clarissa Correa

Quem te perguntou!?

Realmente não entendo essa mania que algumas pessoas têm de querer dar palpite em tudo. Te perguntei? Então guarda os seus pensamentos para você. Ninguém quer saber. Todo mundo acha alguma coisa, tem algo para "contribuir" ou um conselho para dar para outra pessoa.

Fico incrivelmente atordoada com o número de gente que pensa que ser conselheiro e palpiteiro é bacana. Vou te contar um segredo: muitas vezes dizer o que a gente acha soa extremamente indelicado e inconveniente. Se estou te contando algo, apenas escute. Entenda que muitas vezes o outro só quer desabafar. Ele não quer ser julgado, nem que alguém apresente uma cartela de soluções.

Vamos ser sinceros: a sabedoria de padaria não funciona num piscar de olhos. É fácil dizer como outra pessoa deve agir, afinal, você está do lado de fora da encrenca. Só vivendo o problema para saber exatamente o que fazer com ele.

Acho que você tem que agir assim e assado. Me desculpa, mas você não tem que achar nada. Você tem é que cuidar da sua vida, dos seus problemas, das suas coisas. Seria muito mais fácil viver em sociedade se cada um se preocupasse em fazer o que deve ser feito. Viver, na forma mais ampla da palavra. A própria vida, no caso. Quer ajudar alguém? Faça caridade. Tem um montão de gente precisando de comida, teto, artigos de higiene e vestuário. Quer ser útil? Faça um trabalho voluntário. Tem muita gente precisando de um afago, de atenção, de cuidado. Olha eu, aqui, dizendo o que você tem que fazer. Por favor, não me leve a mal, não quero me contradizer. Acho mesmo que cada macaco deve ficar e cuidar do seu galho. Mas se te faz falta ajudar, aconselhar, palpitar, por favor, gente precisando de ajuda é o que não falta. Basta visitar um asilo, um orfanato, um hospital. Querer ser útil é nobre e bonito. Mas sair palpitando por aí é ruim demais.

Raramente peço conselhos. Acho que consigo me entender com o tico, o teco e toda a turma. Ninguém sente o que sinto, ninguém mora dentro de mim. E entenda: aqui dentro é uma confusão. Só eu consigo entender coisas que são minhas, que estão guardadas a sete chaves, que estão perdidas no porão, que estão cheias de mofo e pó. Ninguém tem esse poder, apenas eu e minhas confusões.

Não gosto quando alguém diz que tenho que fazer isso ou aquilo. Eu sei o que precisa ser feito, eu tenho o domínio da minha vida, eu sei o que aceito e o que não me desce pela garganta de forma alguma. Eu, eu, eu. Isso mesmo. De vez em quando a gente precisa se posicionar, encarar os fatos de frente e fazer um raio-x criterioso do que se passa lá dentro. É que ninguém enxerga o nosso avesso.

Clarissa Correa

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Não acabou depois do nosso último adeus

Já vai marcar dois meses no calendário desde a nossa decisão mais difícil. Dois meses atrás onde a nossa maior certeza havia sido colocada a prova e tudo tinha saído dos trilhos. Eu me sinto aliviada pelas coisas terem sido francas e amenas embora a confusão e gritaria dentro da gente tenha sido possível escutar sem dizer uma sequer palavra. Chorei. E choro todas as vezes em que eu te vejo e não consigo entender o porque das coisas terem de sido tão difíceis no começo, no meio e nesse fim que não conseguimos colocar um ponto final. Ou talvez apenas não queremos.
Eu sei que é complicado entender as coisas do coração, saber decifrar o que o destino nos reserva e compreender aqueles acontecimentos que chegam do nada e tiram tudo do lugar. E algumas coisas acabam se quebrando. E foi isso que aconteceu com a gente. Mas até hoje eu não consigo entender o porque de que mesmo tão distantes e sem nenhum contato eu sinto meu coração gritando implorando pra falar com você e ouvir mais uma vez a tua voz. Aquela que eu tanto amava ouvir antes de dormir.
Nada nunca foi fácil para nós dois, mas eu admirava a nossa força de vontade e a resistência dessa linha imaginária que nos unia e não arrebentava por nada. Foram muitas tempestades, obstáculos, e muita gente má tentando romper tudo que nós tínhamos, mas o nosso sentimento era forte o bastante para que nem sequer um sopro abalasse de verdade as estruturas do nosso amor.
O tempo foi passando e num belo dia, ou não tão belo assim, nós acordamos e tudo já não estava mais no devido lugar e eu nem sabia por onde começava a arrumar toda aquela bagunça. Mas vi o quão corajosa eu consegui ser por te deixar velejando sozinho e ir em alto mar em busca da solução para os nossos problemas. Até hoje me encontro perdida em meio a esse oceano. Bebendo água, passando fome e pisando em falso. Meu pensamento vagando em várias direções: qual caminho seguir? o que devo fazer? e se... mas de todas as minhas grandes dúvidas e medos o maior de todos eles é : quando eu finalmente conseguir a solução se eu ainda vou te encontrar do outro lado.
As coisas não acabaram quando eu te disse adeus. E espero do fundo do meu coração que a correnteza desse mar me leve mais uma vez para perto de você.

Autor desconhecido

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Você tem que ir embora


Já me cansei dessa coisa de contar aos quatro ventos sobre como a nossa história é baseada em caixas de papelão e pedidos de desculpas, maçanetas giradas e despedidas numa acústica ruim da sala de estar, de gritos exasperados e de amigos tentando consolar um ou outro. Você ou eu sabemos que isso aqui nunca pertenceu a você – e a falta era só uma das coisas que me prendiam como âncora ao seu naufrágio. Você tem dessa inconstância perigosa que me arrasta pro fundo, e que é tão nociva quanto qualquer veneno de cobra. Só que você não tem antídoto.
A falta foi desculpa encomendada pra me fazer acreditar que sem você seria pior. Não seria. A gente tem disso de encomendar umas desculpas esfarrapadas pra disfarçar o apego vazio. Depois que você for, eu não vou morrer de você. Não vou desacertar a vida como se o parâmetro do que é bom tivesse ligado ao seu suor no meu lençol.
Eu já conheço o seu gosto e o meu paladar já recusa o gosto amargo de você. É que a nossa receita passou do ponto há muito tempo – mas eu cismei em recortar as bordas queimadas e fingir que o recheio não tinha sofrido com a turbulência do fogo. O seu tempero me deixa insosso. Não foi engano meu. Fui eu mesmo quem quis me enganar, adiando a verdade de que você não cabe em mim. Não foi feita pra mim.
O meu pranto cismou de pronta-entrega que você era mais ou menos o que eu queria. E a gente se força a achar que o outro pode ser consertado, mesmo sendo evidentes as rachaduras, suas infiltrações e alguns parafusos meio frouxos que ficam bem na cara. A gente acha que amor é como a caixa de lápis de cor no maternal, e que o tempo vai dar a chance da gente colorir tudo da forma que achar melhor.
Mas você é filme em preto e branco.
E aquela angústia no peito, que eu levava achando que não ia dar mais pra seguir sem encontrar alguém que me bastasse – como você me bastava sempre que ia embora – se foi. É que o fantasma de você me lembrava só o lado bom, o lado intocável que povoava a minha memória disforme. Como se eu pudesse resumir o que a gente foi em cinco momentos seletos onde você não me feria. Quando você voltava – a sua parte real, a porção que corresponde ao que você realmente representa – era tudo ruína. Era fim a cada dia novo que eu me forçava a achar que eu precisava de você aqui por algum motivo tolo que nem eu mesmo conhecia.
Até que eu enxerguei a rotina. A perda de tempo sentimental. A carga que eu levava sozinho nas costas e que não tinha nada a ver com os problemas que um casal enfrenta a dois. O meu problema é que você não tem espaço aqui. Não tem lugar e nem vaga reservada depois de tantas idas e vindas. Já sei bater os olhos e enxergar cada minúscula parte das suas manias que me ferem, e você faz de propósito. Você se transfigurou em agouro agudo, malicioso e completamente nocivo. E de sabotadores já basto eu. Sabotei a desordem e organizei em você algumas coisas erradas desde o início.
Você não é ela. É a “ela” que eu pensei que fosse ser. Mas não é.
Eu tentei me prender tanto a alguém com projeções construídas, e nem dói mais dizer isso tudo. Porque agora só resta a constatação. Porque agora eu já me entendi e vou muito bem, obrigado. A minha necessidade é só que você vire mais um capítulo enrolado de um livro que pertence a mim – e só a mim mesmo.
É. Você tem que ir embora.

Daniel Bovolento



Carta a quem já me disse adeus

Eu não vou me desculpar pelo lado ruim, nem me perguntar por quantas vezes você pensou em ir embora antes de fazê-lo. Não vou me ater aos rabiscos, aos malfeitos, às partes tortas e a nenhuma dessas coisas que passam pela nossa cabeça assim que somos abandonados. Não vou te culpar por alguma crise de choro ou por alguma cirrose futura, nem espalhar aos quatro ventos alguma história que me torne vítima e tiranize você.
Eu vou sentir sua falta. Aliás, eu já sinto. Sinto que eu deixei escapar a minha melhor chance de ser feliz – e isso não é nenhum estado depressivo que se agrava e se repele automaticamente depois de algum tempo. É conformismo. Constatação das brabas. Daquelas verdades inconvenientes que são pregadas na parede do quarto feito papel de parede que a gente não escolheu. E nem adianta tirar porque a pintura vai descascar e esfarelar tudo. Vai sujar o chão. E as marcas de que um dia eu te perdi vão continuar ali – nas ruínas de um quarto velho e torto no segundo andar de uma casa desalmada qualquer.
Adeus serve pra gente reconhecer no rosto de quem vai embora alguma história da qual tenhamos participado. Os traços do outro vão sempre contar um pouco da gente – principalmente quando a gente ajuda a carregar as caixas, com o coração na mão. Você tinha olhos baixos e meio marejados, e eu sabia que era de saudades da brisa da casa de praia. Dos passeios de barco. Do céu estrelado. E me olhou com tanto carinho antes de me beijar a testa – e eu sei que isso significou muito pra você. Que você foi embora com o coração dilacerado. O meu, em 3/4 e o seu em 7/8. Grudou as mãos suadas antes de devolver as alianças. Mas parece que fez uma força extra-humana para tirá-las dos dedos – é que o costume molda a gente, ainda mais se é voluntário. Moldou o seu corpo. Desacostumou-se aos outros. Se rendeu a minha forma. Mas agora você vai embora quebrada, e eu também. Cada caco reunido com o pouco de força que a gente ainda tinha. E nós deixamos as fotos na estante. Pra lembrar que aqueles dois se amaram, e que amor que é amor não se acaba.
Você foi a melhor coisa que me aconteceu em muito tempo – e só Deus sabe como eu amei você. Do meu jeito, mas amei. Com pretensões, com modos de indicativo e imperativo, sem modo algum, com gentileza e cadeiras puxadas pra você cair diretamente nos meus braços. Com trinta e sete minutos de conversa antes do dentista, com pano e água gelada pra baixar a febre, com o coração na mão pra pedir desculpas depois de ter feito você chorar. Amor não se acaba, morena. Amor fica intacto no espaço e no tempo. A gente é que muda e faz dele fantasia. Abstração. O factual continua com a vida, mas o amor ficou guardado entre o dia em que você me disse que não entendia nada disso de amor, e o dia em que me deu Adeus. Suspenso no ar. Como se ele desacreditasse piamente naquele vocabulário extenso que englobou a nossa despedida.




O prazer de sofrer

Por ele a gente se agarra aos amores contrariados.

Ontem eu percebi que faz tempo que eu não sofro de amor. Almocei com uma amiga que está no meio de um processo de rompimento – no qual ela parece ser a parte frágil – e em nenhum momento da conversa consegui me por na pele dela.
Fui solidário, compreensivo e talvez tenha sido até útil com a minha racionalidade compassiva e a disposição de dividir a minha própria experiência.

Mas, em momento algum fui capaz de segurar a mão dela e dizer, verdadeiramente, como já fiz outras vezes em situações parecidas: “Eu sei o que você está sentindo!” Se tivesse dito isso, eu teria mentido.

Há uma distância enorme entre compreensão e empatia. Compreensão é que está por trás da atitude de um analista quando nos ouve falar das nossas dificuldades. Empatia é o que sente um amigo, ou mesmo um estranho, que está vivendo – e, portanto, sentindo – a mesma situação. Ontem eu fiquei no papel do analista.

Percebi, na amiga, como já percebi em mim, dezenas de vezes, um estranho orgulho da própria dor. A despeito das palavras racionais que ela emite, do desejo declarado de cortar os laços e seguir adiante, há nela uma relutância enorme em se afastar daquilo que a machuca.

Tive a impressão de que ela se agarra à dor como se fosse o mastro de um naufrágio - aquela coisa que a mantém à tona. Tive a impressão, também, de que ela embala, acaricia e alimenta a própria dor. Parece haver conforto nisso, uma espécie de ordem, um lugar de identidade e proteção. O orgulho de quem ouve música no carro, sente os olhos se encherem de lágrimas e pensa: eu amo!
Quem está assim não olha para aquilo que debilita como se fosse algo ruim, da qual é preciso se ver livre. Não! A dor do amor tem algo de sublime, heróico e único – ainda que arrebente o cotidiano, atrapalhe a vida e nos reduza a um pedaço semi-útil de nós mesmos.

Eu, que já fui useiro desse sentimento, desta vez não consegui me identificar com a irracionalidade profunda e teimosa do amor contrariado. Eu percebo as cicatrizes em mim, tenho a lembrança do sentimento, mas não fui capaz de me identificar com ele. Em vez disso, me pus a pensar sobre o que essa situação, ao mesmo tempo banal e estranha, revela sobre as nossas cabeças complicadas.

A primeira coisa que me vem à mente é identidade. É muito difícil saber o que se é a cada momento da vida. São muitos os papéis que nos solicitam e eles frequentemente são contraditórios entre si. A gente sofre tentando saber o deveríamos ser a cada momento.

Os nossos sentimentos também são confusos: como eu me sinto em relação a isso ou aquilo? Como deveria agir? Decisões têm de ser tomadas e os nossos faróis emocionais nem sempre iluminam como gostaríamos. É difícil.
Há, claro, a névoa terrível do desânimo. Há que sair da cama todos os dias e encontrar, meio por hábito e meio por esforço, as razões para tocar adiante quando a vida parece chata e insípida, quando nada brilha o suficiente para nos encher os olhos.
Tudo isso a dor do amor deixa pra tras.
Ela simplifica radicalmente a existência. Só existe o objeto do amor e o desejo por ele. A gente se torna esse desejo. Desaparecem todas as dúvidas porque a certeza da dor é imensa e ocupa o espaço. A vida já não parece chata e insípida porque ganha um objetivo claro: sofrer, esperar, ter esperança, todos os dias.

Vista assim, a dor do amor é uma droga mais poderosa do que o amor realizado, é mais forte que um relacionamento de verdade.

Viver um amor e verdade dá trabalho. Ele nos enche de incertezas, nos traz dúvidas sobre nós mesmos e sobre o outro. Às vezes nos coloca em situações desagradáveis, provoca medos. Questiona o nosso papel. Nos põe de frente com as nossas dificuldades e limitações. Uma relação de verdade é uma delícia, mas é, também, um mergulho num mundo complexo e cheio de arestas. Está no capítulo dos desafios que nos fazem crescer.

O contrário disso é o amor idealizado de quem levou um pé na bunda. Este é simples, irreal, vive dentro de nós e, ainda que pareça o contrário, está sob nosso controle. Diferente da vida, que é surpreendente e assustadora, o amor desencarnado é um bichinho de estimação obediente. Pode ser guardado, invocado intimamente ou exibido diante dos amigos ou mesmo da pessoa que nos faz sofrer.

Ao contrário de um ser humano de verdade, esse sentimento não vai nos abandonar numa manhã de sábado. Ele nos pertence verdadeiramente. Pode ficar com a gente por anos. Tem gente que guarda dores como essa pela vida inteira. Dizem: a minha dor...

Minha amiga não vai fazer isso. Ela é esperta, valente, astutamente feminina. Sabe que a vida está pulsando em volta dela, cheia de possibilidades e mistérios esperando para serem desvendados. Como a vida de todos nós, a dela não cabe numa canção amarga que toca no radio. Ou num Ipod inteiro de canções. A vida é maior que a dor. Ainda bem.

Ivan martins


Como dizer adeus

Tem gente que acha simples, mas eu tenho problemas com rupturas e separações. Talvez as minhas tenham sido muito doloridas, talvez as de pessoas próximas tenham me afetado. Não sei. O fato é que basta eu ler nos jornais que Tom Cruise e Kate Holmes se separaram que uma voz dentro de mim lamenta: coitados...

Minha sensação é que nós – eu, você e o Tom Cruise – não estamos preparados para ouvir ou para dizer adeus. Sabemos começar e não sabemos acabar. Damos a partida num carro, mas não conseguimos parar. Saímos de viagem felizes, mas não conseguir chegar. Um paradoxo, uma incongruência, uma experiência que não fecha. Olhe em volta. Um namoro de meses, uma vez encerrado, pode nos causar enorme sofrimento. Basta que a pessoa nos rejeite para se converter na criatura mais importante no mundo. E na mais desejada.
Nem é preciso que nos dêem o fora, na verdade. Pense na outra situação: você está namorando, ou casado, e não aguenta mais. Acontece. Como se faz para terminar? O primeiro estágio, dependendo do seu temperamento, pode levar meses ou anos de infelicidade paralisante. Você não suporta mais o som, a visão ou o tato da pessoa, mas não tem coragem de contar isso a ela, embora todos os seus amigos já saibam. Até para o cobrador de ônibus você já disse que aquilo acabou, mas a outra parte ainda não foi informada. Quando os amigos olham você com o seu par, é possível ler nos olhos deles a pergunta: “Ainda”? Dá vergonha.
Quando, enfim, você resolve dar o ponto final, começa o outro problema. Culpa. Avassaladora e horrorosa culpa. As pessoas vêm contar que ela está sofrendo. Ele telefona. Sua mãe (eu já vi acontecer) recebe o abandonado na casa dela e liga para a sua casa, pedindo clemência: “Ele gosta tanto de você”. Não é fácil ser coerente. A gente não sabe se separar, e as nossas famílias não ajudam.
Acima e além de toda a comédia, porém, o que existe nessas separações é dor. Olhe para a cara das pessoas: elas estão destruídas. Não dormem, não comem, mal conseguem trabalhar. Sofrem fisicamente. Perdem peso, ganham peso, adoecem. Se a gente extraísse da dor de cada separação alguma forma de energia limpa, os problemas ecológicos do planeta estariam praticamente resolvidos. Mas não. Essa é uma dor imensa, universal e inútil.
Claro, os tipos mais psicanalíticos dirão – com alguma razão – que a dor da ruptura é necessária para a nossa formação emocional. Precisamos passar por ela para entender o amor e outras coisas essenciais sobre nós mesmos.
Eu concordo com a tese, mas não entendo porque ela tem de ser estendida ao infinito. Eu, por exemplo, aprendi tudo o que tinha que aprender sobre sofrimento amoroso aos 13 anos, quando aquela garota de cabelos pretos e imensos olhos castanhos resolveu se apaixonar pelo meu melhor amigo. Desde então, toda perda, separação, rejeição ou pé na bunda tem sido uma mera repetição desnecessária. Até quando?
Como é impossível evitar os foras que nos darão – e aqueles que nós daremos – talvez seja melhor nos prepararmos para lidar apenas com as consequências das separações e rompimentos. Pensando nisso, usei a minha experiência, assim como a dos amigos (cuja colaboração nem sempre é voluntária), para compor um brevíssimo decálogo para uma ruptura menos dolorosa e talvez um pouco mais digna. O decálogo ficou com onze itens, e eu temo que essa não seja a sua única inconsistência. Pensem nele como postits para sair da vala. Talvez ajudem.

O decálogo:

1. Diga adeus de verdade. Ou aceite o adeus que lhe deram. Pontos finais podem ser o começo de alguma coisa nova. Adiamentos e meias verdades não levam a lugar nenhum, e nos envenenam.

2. Não se coloque na situação de vítima. Isso destrói a sua autoestima e não faz ele ou ela voltar. Romance que acaba é uma fatalidade tão grande quanto romance que começa. Não tem culpados.

3. Assuma a responsabilidade. Não se abandone aos sentimentos negativos, como se você não fosse responsável pelo que faz ou sente. Em outras palavras, reaja.

4. Mantenha a dignidade. Ou rasteje com moderação. Quando você não tiver mais nada, o respeito por você mesmo – e pelo outro – pode ser de grande serventia.

5. Deixe o outro em paz, dê paz a si mesmo. Ficar correndo atrás da pessoa que a deixou, ou que você deixou, é tolice. Se procurou uma vez e não deu certo, fique na sua. Insistir piora tudo.

6. Procure os amigos. Os seus amigos, não os dela. Gente querida distrai e nos faz bem. Ah, sim: mesmo com os mais chegados, tente não reclamar 100% do tempo. Autocontrole ajuda a sair do poço.

7. Recolha-se ou exponha-se, mas seja fiel a si mesmo. Nunca invente um comportamento que nada tem a ver com você para agredir o ex ou para mostrar que você é foda. Só piora.

8. Faça arte ou consuma arte. Ver um show da Marisa Monte depois de um pé na bunda pode ser uma experiência transcendental. Assim como escrever poemas ruins, que você rasgará (ou não) depois de alguns meses.

9. Não perca pontos correndo atrás do ex anterior, a não ser que tenha virado amizade. Se ele ou ela ainda gostar de você, aproveitar-se para tentar se consolar é desprezível. E não funciona.

10. Lembre: da outra vez você sobreviveu. É importante ter isso em mente. As dores passam e a gente se apaixona de novo, mesmo que no momento isso pareça extremamente improvável.

11. Se a barra pesar demais, procure um analista. Ou mesmo um médico. Eles estão ai para nos socorrer quando o amor vira doença. Se você se assustar com você mesmo, é hora de pedir ajuda. Funciona.

Ivan martins


Ele não quer namorar?

O romantismo destrutivo dos homens que não se decidem.

O mundo parece estar cheio de homens que não querem namorar. Eles me contam isso, as mulheres que saem com eles dizem isso. Eu não entendo. Que o sujeito hesite em morar junto, casar, ter filhos, comprar apartamento pelo SFH – tudo isso me parece compreensível. Esses são grandes passos e nem todos estão prontos para o compromisso. Mas namorar, tanto quanto eu sei, não dói. Andar de mãos dadas, viajar no feriado, ir ao cinema no sábado à tarde são atos no campo do prazer, não do dever. Não deveriam constituir um problema. No entanto...

Pergunte às mulheres e ouça o que elas têm a dizer sobre o assunto. Essencialmente, vão contar que os caras só querem o bilhete de ida. Estão a fim de uma viagem única. Se gostar do sexo, do agarro, do beijo, o sujeito volta; ou não. Tudo é negociado um dia de cada vez. Não há laços, nem fins de semana assegurados, muito menos exclusividade. Esta situação, que antes seria considerada transitória, agora pode durar indefinidamente. Do ponto de vista de algumas mulheres com quem eu tenho conversado, os relacionamentos ficaram parecidos com empregos precários: não há contrato, não há garantias e aviso prévio não existe. Pode acabar a qualquer instante, já que oficialmente nunca começou. É o amor terceirizado.

Da parte dos caras, a queixa é outra. “Eu não me envolvo”, eles reclamam. Sai moça, entra moça, e fica o mesmo vazio. A mulher que parecia espetacular perde o brilho em poucos dias. A empolgação inicial não se sustenta. Tudo se resume a um desejo passageiro, que pula de uma dona para outra. Como nada ganha relevo, tudo é igual a tudo. Então se trata, simplesmente, de administrar uma agenda com vários nomes. Isso inclui Facebook, celular e muitas horas vazias e solidão. Um dia a Fulana, outro dia a Sicrana, amanhã, quem sabe, alguém capaz de fazer diferença. Em cada uma delas, novidade e prazer. Nos intervalos entre elas, ansiedade e tédio. Entre uma e outra, angústia.

Como eu já disse, não entendo muito bem essa dificuldade. Acho bom demais namorar. Melhor coisa do mundo, na verdade. Os primeiros meses de namoro são melhores que banho de cachoeira, melhor que pegar jacaré no fim de uma tarde de verão, melhor que ficar bebum em companhia de amigos queridos. No namoro a gente descobre (ou redescobre) que pode ser feliz, que o nosso romantismo não morreu, que existe dentro de nós um sujeito capaz de gestos arrebatados e pensamentos delicados, um cara que se lembra de comprar um presente inesperado e de mandar um poema no meio da tarde, pelo celular. Quem não gosta de sentir-se assim levanta a mão - e corre assim mesmo, de mão erguida, para o analista mais próximo!

Ivan Martins



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Carta aos meus amores de fim de mundo

Foram vocês. Os meus amores de fim de mundo foram aqueles que pareciam profetizados e marcados pelos Maias como um dos carmas mais intensos da minha vida. Foram amores-fenômenos-da-natureza. Alguns terremotos, muitos vulcões em erupção, tornados sentimentais e tsunamis que me tiraram do lugar tantas vezes que já perdi as contas. Foram amores de desespero dramático, feitos em moldes shakespearianos com uma boa dose de tragicomédia. Interpretados em grandes arenas de combates por gladiadores que estavam dispostos por tudo – e pelo outro principalmente. Foram os arranhões mais frequentes, os incidentes planejados e a falta de esperança de que eu encontraria alguém que pudesse repor todo aquele sentimento extravasado na mesma dose e na mesma loucura. É que eu nunca soube que fins de mundo podem se repetir diariamente. Ou com mais frequência do que se pode imaginar. Sempre achei que o dia seguinte aos adeus que dei nunca fosse acontecer. Eu implodiria com toda a minha tristeza e frustração e guardaria pra mim aquilo que eu queria que o mundo inteiro soubesse. A angústia berra e o que dói é ver que ninguém consegue ouvir do mesmo jeito que você. Que ninguém sente aquela pontada fora do ritmo que aperta o coração e faz com que você se sinta perdido no tempo e no espaço. Desorientado e com o coração querendo pular pela boca em palavras. Algumas vezes a angústia me escapou pelos olhos, noutras preferiu se esconder num porão escuro e se calar. Mas sempre doeu. Até quando eu dava um jeito de fazer a lava congelar e ficar ali paradinha e concentrada num único lugar. Só que o meu peito sempre sentiu o ardor rasgando cada centímetro dele na iminência de fugir dali. Minhas batidas eram urgentes e ao mesmo tempo silenciosas. Eu nunca quis anunciar que seria o fim do mundo pra mim. Nem pra vocês, nem pro resto do mundo. Guardei o pânico e os pedidos de “mais tempo, por favor” e ninguém nunca ouviu falar deles. Até a hora das despedidas. Quando me despedi de cada uma de vocês, fiz questão do beijo final. O beijo que sela e que dá a esperança de um recomeço. Como se o contato final tivesse aquela engrenagem capaz de fazer girar um recomeço. Como se a gente pudesse criar um big bang a cada última gota de algum amor de fim de mundo. Como se eu não sentisse a destruição de mais um mundo construído por um chão que estava desabando embaixo dos meus pés. Aos meus amores de fim de mundo eu deixo o meu muito obrigado. Vocês me fizeram perceber que a gente pode se assustar, perder o chão, chegar à beira da loucura e sair com uns machucados terríveis quando um mundo acaba. Mas a gente sempre sobrevive. E eu vi meus mundos acabarem um monte de vezes. Acordei na manhã seguinte e tava tudo bem. Encontrei outros amores de recomeço – e alguns viraram mais outros fins de mundo. Mas tudo bem. Coração foi feito pra bater e apanhar. O que ninguém contou sobre ele é que também foi feito pra se reconstruir de novo e de novo e de novo e sempre que a gente precisar criar novos mundos com novas pessoas e com nós mesmos. E daí bola pra frente. Daniel B

O amor bom é facinho

"Há conversas que nunca terminam e dúvidas que jamais desaparecem. Sobre a melhor maneira de iniciar uma relação, por exemplo. Muita gente acredita que aquilo que se ganha com facilidade se perde do mesmo jeito. Acham que as relações que exigem esforço têm mais valor. Mulheres difíceis de conquistar, homens difíceis de manter, namoros que dão trabalho - esses tendem a ser mais importantes e duradouros. Mas será verdade? Eu suspeito que não. Acho que somos ensinados a subestimar quem gosta de nós. Se a garota na mesa ao lado sorri em nossa direção, começamos a reparar nos seus defeitos. Se a pessoa fosse realmente bacana não me daria bola assim de graça. Se ela não resiste aos meus escassos encantos é uma mulher fácil – e mulheres fáceis não valem nada, certo? O nome disso, damas e cavalheiros, é baixa auto-estima: não entro em clube que me queira como sócio. É engraçado, mas dói. Também somos educados para o sacrifício. Aquilo que ganhamos sem suor não tem valor. Somos uma sociedade de lutadores, não somos? Temos de nos esforçar para obter recompensas. As coisas que realmente valem a pena são obtidas à duras penas. E por aí vai. De tanto ouvir essa conversa - na escola, no esporte, no escritório - levamos seus pressupostos para a vida afetiva. Acabamos acreditando que também no terreno do afeto deveríamos ser capazes de lutar, sofrer e triunfar. Precisamos de conquistas épicas para contar no jantar de domingo. Se for fácil demais, não vale. Amor assim não tem graça, diz um amigo meu. Será mesmo? Minha experiência sugere o contrário. Desde a adolescência, e no transcorrer da vida adulta, todas as mulheres importantes me caíram do céu. A moça que vomitou no meu pé na festa do centro acadêmico e me levou para dormir na sala da casa dela. Casamos. A garota de olhos tristes que eu conheci na porta do cinema e meia hora depois tomava o meu sorvete. Quase casamos? A mulher cujo nome eu perguntei na lanchonete do trabalho e 24 horas depois me chamou para uma festa. A menina do interior que resolveu dançar comigo num impulso. Nenhuma delas foi seduzida, conquistada ou convencida a gostar de mim. Elas tomaram a iniciativa – ou retribuíram sem hesitar a atenção que eu dei a elas. Toda vez que eu insisti com quem não estava interessada deu errado. Toda vez que tentei escalar o muro da indiferença foi inútil. Ou descobri que do outro lado não havia nada. Na minha experiência, amor é um território em que coragem e a iniciativa são premiadas, mas empenho, persistência e determinação nunca trouxeram resultado. Relato essa experiência para discutir uma questão que me parece da maior gravidade: o quanto deveríamos insistir em obter a atenção de uma pessoa que não parece retribuir os nossos sentimos? Quem está emocionalmente disponível lida com esse tipo de dilema o tempo todo. Você conhece a figura, acha bacana, liga uns dias depois e ela não atende e nem liga de volta. O que fazer? Você sai com a pessoa, acha ela o máximo, tenta um segundo encontro e ela reluta em marcar a data. Como proceder a partir daí? Você começou uma relação, está se apaixonando, mas a outra parte, um belo dia, deixa de retornar seus telefonemas. O que se faz? Você está apaixonado ou apaixonada, levou um pé na bunda e mal consegue respirar. É o caso de tentar reconquistar ou seria melhor proteger-se e ajudar o sentimento a morrer? Todas essas situações conduzem à mesma escolha: insistir ou desistir? Quem acha que o amor é um campo de batalha geralmente opta pela insistência. Quem acha que ele é uma ocorrência espontânea tende a escolher a desistência (embora isso pareça feio). Na prática, como não temos 100% de certeza sobre as coisas, e como não nos controlamos 100%, oscilamos entre uma e outra posição, ao sabor das circunstâncias e do tamanho do envolvimento. Mas a maioria de nós, mesmo de forma inconsciente, traça um limite para o quanto se empenhar (ou rastejar) num caso desses. Quem não tem limites sofre além da conta – e frequentemente faz papel de bobo, com resultados pífios. Uma das minhas teorias favoritas é que mesmo que a pessoa ceda a um assédio longo e custoso a relação estará envenenada. Pela simples razão de que ninguém é esnobado por muito tempo ou de forma muito ostensiva sem desenvolver ressentimentos. E ressentimentos não se dissipam. Eles ficam e cobram um preço. Cedo ou tarde a conta chega. E o tipo de personalidade que insiste demais numa conquista pode estar movida por motivos errados: o interesse é pela pessoa ou pela dificuldade? É um caso de amor ou de amor próprio? Ser amado de graça, por outro lado, não tem preço. É a homenagem mais bacana que uma pessoa pode nos fazer. Você está ali, na vida (no trabalho, na balada, nas férias, no churrasco, na casa do amigo) e a pessoa simplesmente gosta de você. Ou você se aproxima com uma conversa fiada e ela recebe esse gesto de braços abertos. O que pode ser melhor do que isso? O que pode ser melhor do que ser gostado por aquilo que se é – sem truques, sem jogos de sedução, sem premeditações? Neste momento eu não consigo me lembrar de nada. " Ivan Martins

Lembranças

São armadilhas suaves que nos pegam pelas pernas e nos enlaçam. Dão cama, casa e comida enquanto a gente acha que reconstrói tudo aos poucos – sem saber que tudo aquilo vai desmoronar num piscar de olhos. Subtraem enquanto a gente acha que soma. E somem num instante. Deixam a gente em pó suspenso no ar. Embaçam os óculos e atrapalham a respiração. Lembranças são a marcha ré disparada sem querer no meio do engarrafamento. E a gente bate com tudo no que deveria nem encostar. Embaçam a vista e a vida. E se fazem de dissimuladas: o que era ruim desaparece e o que nem era tão bom assim ganha um peso de sobrecarga. Um sorriso de lado vira a coisa mais bonita que a gente já viu. E as histórias de corações partidos são substituídas por mal-entendidos irreais. As lembranças se misturam e se chocam. Servem de travesseiro pras noites mal dormidas. E acabam recriando cafunés que nunca existiram. Lembranças são o resto da memória que ainda vive. Se escondem nos ralos e nos cantos escuros do corredor da casa. Se disfarçam de porta-retratos e roupas guardadas. É nelas que a gente revive o que a gente foi – e o que nunca foi também. Elas não são feitas de deixar de ser. Elas são, e nos cutucam na ferida aberta a cada novo momento. Sem alarme de incêndio pra avisar do fogo. São queimaduras de segundo grau que a gente ganha pela exposição prolongada ao passado. E nos transportam para o ponto final do início de tudo. O fim de alguma história se torna ponto de partida – e mal sabemos nós que estamos presos a um ciclo vicioso de repetições. Tanto das lembranças quanto das ações. E os fins entortam os meios. E a gente parece não lembrar direito o que aconteceu. Só se lembra de que acabou. Ou que nem chegou a existir. Elas são de uso exclusivo aos que possuem corações fortes. São prescritas de forma a seguir uma bula de nostalgia e sofreguidão. É como colocar um doce na boca de uma criança e tirá-lo depois. Só que as crianças somos nós. E daí nos prescrevem tarjas-pretas. Lembranças podem nos levar à loucura, de fato. Mas eu espero que a nossa loucura possa ser perdoada. Porque a gente ainda não descobriu como se desfazer do doce vício de relembrar antigos diálogos e fotografias. Daniel Bovolento

O meu tipo

Depois da sessão coruja sempre bate saudades de você que não veio ainda. De você que podia ter recostado a cabeça no meu ombro durante o filme. De você que teria chorado porque eles se acertaram e deram certo depois do não-tão-felizes-assim para sempre. De você que ocupa um banco vazio do meu lado. Só que eles sempre acendem as luzes pra gente ir embora – e eu acho que você acaba indo mesmo. Porque eu sempre vou sozinho pra casa em altas horas da noite. Mas todo filme trabalha com a gente para além da sua duração. E eu já me adianto nas flores e será que você vai gostar da gravata que eu coloquei? Você é meu amor imaginado. Sonhado pra aparecer um dia desses no meio das nossas loucuras. Com todos os nossos problemas e com aquela coisa que faça com que a gente se apaixone pelos olhos um do outro. Com calma pra eu não tropeçar e cair pra dentro de você. Me afogar. Me afundar. E não querer mais sair dali, mesmo que perdido. Você é o meu amor de roteiro romântico. Do tipo que perdoa as minhas maluquices e não pergunta o que eu conversei com meu terapeuta hoje. Do tipo que se magoa porque eu falei muito sobre a minha ex, me dá uns dois socos no ombro direito e vai dormir com o telefone desligado. Do tipo que eu reconheceria assim que tivesse a oportunidade de conduzir uma dança e pisar nos seus pés. Pra fazer a gente cair no meio de todo mundo. E pra você começar a rir desesperadamente e transformar o constrangimento em alegria. Você é o meu tipo de garota do cinema. De cena após cena. De câmera nos trilhos e silêncio no estúdio. De gemidos abafados na última fileira do filme. Dá até pra antecipar a sua timidez no primeiro encontro. Com mãos se esbarrando lentamente no descanso das poltronas. Entrelaçando os dedos conforme os quadros se sucedem e alguém nos manda fazer silêncio porque o coração armou uma escola de samba e agora bate forte. Você é o meu tipo de primeiro beijo esperado. Pra dizer que eu já sabia que era você no momento em que pus os olhos e pude ver que você era tão complicada quanto eu – e não ligaria pra isso. Que você encararia as coisas com a máxima de que nós dois nos encontramos no mundo por conta de alguma força que vai além da nossa compreensão. Pra dizer que as nossas conversas estão fadadas ao silêncio quando nenhum dos dois souber o que dizer e isso não incomoda. Você é toda cheia de dedos e sinais que se atrapalham na tentativa de dizer alguma coisa. Estudou um pouco sobre fantasia e vive por aí contando histórias. E me encantando. Você é um mistério mal resolvido – e espero que continue assim. Com esse quê de que pode ser real sem perder essa aura de ilusão que me mantém consciente de que pode ser tudo um sonho. E é por isso que eu volto ao cinema em todas as sessões coruja de comédias românticas. Pra ver se eu esbarro numa garota tão perdida quanto eu no seu próprio mundo. Pra ver se eu encontro alguém que se apaixona tanto pelas histórias dos filmes a ponto de querer vivê-las a flor da pele como eu. Pra ver se dessa vez eu sento do lado de uma poltrona ocupada e recebo um sorriso desconhecido, mas ainda assim bonito. Mesmo que acendam as luzes. Mesmo que baixem os créditos finais. Mesmo que esvaziem as salas, eu ainda acho que um amor tão grande e tão bonito assim exista além das telas do cinema. O meu tipo de garota também acharia. Daniel Bovolento

Você não deveria fazer isso com ela

Permita que eu intervenha, rapaz. Vou pausar a cena do filme e dialogar um pouco com o roteirista sobre o que deveria acontecer a seguir. Não é que você tenha se comportado mal, nem nada disso. Faz bem em trazer flores pra ela num dia qualquer. Ainda mais quando o presente não tem motivo nem carga de culpa impregnada no perfume. Faz bem em atiçar a curiosidade dela quando a agarra firme num abraço quando vão dormir. Diria até que você tem alguma graduação em Novos Românticos e tudo mais. Mas acho que você vai pecar em breve. Na próxima cena. E vai cometer o erro que todos os homens medianos cometem. Ela vai bater a porta, veja bem. O movimento dela sugere que você a agrediu intimamente e ela já pegou o casaco no sofá. Gritou com você porque chorar demonstraria fraqueza. E ela sente um misto de raiva e decepção. Ela esperava o descaso de qualquer um. Menos de você. Caso não saiba, tem um maço de cigarros novos na jaqueta. Ela fuma quando as coisas dão errado, e pretende voltar com o maço vazio e com o gosto de gin tônica na boca. Se voltar ainda hoje. Você devia ter feito como alguns homens melhores fazem. Selecione os momentos e faça pausas antes de falar qualquer coisa que seja forte demais pra ela. Que a ataque diretamente. Que a deixe sem os resquícios de vocabulário que ela tanto sente orgulho de dizer que tem. Não estou dizendo para você guardar a opinião para si mesmo nem ser um desses pangarés que ouvem tudo e consentem tudo. Não. Só peço que tenha mais delicadeza quando for se dirigir a ela num momento como aquele. Ela estava nua, sem proteção nenhuma na sua cama. Uma mulher despida para o sexo não apresenta barreiras. E ela nem pensa nisso, pra dizer a verdade. Bem ali, enquanto ela deixa uma perna por baixo do lençol e o corpo inteiro de fora, com cada pelo arrepiado pelo vento que entra no seu quarto, com a cabeça debruçada no seu peito e brinca com os dedos no seu corpo. Ali ela é uma fêmea na natureza selvagem que pensa conhecer. E você pode acabar transformando essa mulher numa presa fácil se quiser tratá-la com uma malícia pervertida (no sentido sentimental). Não importa muito o que você disser agora. E nem vou perder muito tempo relembrando isso e nem falando sobre como gostei da decoração da sua sala e dos efeitos de fotografia, dos ângulos e de tudo o mais que mostrou como a mobília antiga combina com os quadros nas paredes. O seu LP tocava algo do The Police e, mesmo assim, você ainda não entende nada sobre sensibilidade. Seria bom se você oferecesse a ela um pouco do baseado que fumou quando ela foi ao banheiro. Ao invés disso, você preferiu não compartilhar mais nada com ela e lançar aquele olhar. Ela entende de olhares. Todas elas entendem, apesar de não dizerem nada de primeira. Ela entendeu que você não a queria ali – mesmo que fosse por causa do cansaço ou do medo de se apaixonar de vez por ela. E daqui a pouco ela segue com a mão na maçaneta e a sua cueca de histórias em quadrinhos não vai te ajudar em nada. Ela vai girar a porta e eu não entendo como todas as observações que fiz até agora não fizeram você tomar a decisão correta sobre o que fazer a seguir. O problema é que ela vai sair e você nem vai pedir que ela fique. Isso é algo irreparável. Como você acha que uma mulher se sente quando ignoram até a sua falta? Como se a falta dela fosse algo descartado ou nem notado. Como se ela pudesse ir embora como se tivesse sido paga pelo serviço e nada mais? Em respeito a ela, você deveria ter pedido que ela ficasse. O pior é que eu sei que você vai deixá-la ir – porque já vi essa cena centenas de vezes. Ah, rapaz, não deixe que ela saia por aquela porta sem ir atrás dela. Mulher sente o seu valor nessas horas e deixar de impedi-la é como se abrisse a porta e chamasse o táxi. Covardia ou só uma tática pra se livrar mais rápido. E nem adianta jogar a culpa no baseado. Você vai perder a moça e o máximo que posso fazer é pausar a cena e oferecer esses conselhos. O resto é por sua conta. Você sabia desde o início que não deveria fazer isso com ela. E se, mesmo por teimosia, você persistir no erro, volte pra sala e coloque o vinil do The Police pra tocar. Ouça com atenção e veja se aprende alguma coisa sobre sensibilidade. Essa não vai ser nem a primeira e nem a última vez que você vai precisar usar dela pra alguma coisa. Daniel Bovolento

Corresponder

"A minha criação nunca permitiu essa coisa de não corresponder sentimentos se eles fossem verdadeiros. Eu não entendia essa etiqueta dos adultos de ignorar solenemente uma vida inteira por conta de alguma mágoa. Hoje em dia eu até entendo isso: um único peso pode destruir todas as medidas que foram construídas por uma vida. ...As minhas aulas de ética e religião na escola me pediam pra não enfiar Deus no meio de tudo isso. Mas eu era uma criança descobrindo o mundo – descobrindo o ódio e todas essas palavras que existem num relacionamento. Então eu rezava. Toda noite eu rezava pra não ter que escolher entre uma casa e uma despedida. As minhas boas maneiras não foram criadas no silêncio da casa. Eu sempre fui repreendido por fazer barulho nas horas erradas e por falar alto demais na mesa. E agora eu me repreendia pelo contrário. O silêncio fere o amor. Chegou num nível em que fazer algum tipo de barulho era como uma súplica para não morrer em meio a esse deserto de palavras. E eu vi se formarem dois polos na minha frente: norte e sul. E a distância entre eles era tão grande que eu não sabia o que fazer para não perdê-los de vista." Daniel Bovolento

Sobre: um brilho eterno de uma mente sem lembranças

Abençoados sejam os esquecidos, pois deles tiram o melhor dos seus equívocos. Responda rápido: Você apagaria da sua mente toda a história que teve com o grande amor da sua vida só porque o relacionamento não deu certo? Então, se você respondeu sim ou não, meus parabéns. Não precisa nem continuar lendo o resto do texto. Em contrapartida, seja bem-vindo ao clube se você é dos meus e pensou numa escala entre o “talvez” e o “por quê?”. Parte I – Quando as definições começam no fim. Bem, vamos a uma suposição: Uma história deu errado, mas deve ter dado errado no final. E tudo o que se viveu no início, durante e quase próximo ao fim? E toda aquela velha história de que foi amor e de que era ela a mulher da sua vida e a mãe dos seus gêmeos loiros que vão torcer pro Botafogo e serão felizes por isso? Não vale nem um pouco à pena lembrar e não deu certo? As pessoas têm uma tendência a anular toda a parte boa de um relacionamento por julgar que ele não deu certo. Mas qual é a medida utilizada para determinar se deu certo ou deu errado? Houve sentimento, houve carinho, houve companheirismo, mas acabou. Foi tudo certo até o dia em que um dos dois se virou e disse que não dava mais porque o sentimento acabou. Teoricamente, isso é o que nós classificamos como dar errado. Mas você realmente acha que é assim? Nos tempos de hoje, um relacionamento que dá certo é visto como um relacionamento eterno. Se acabou, deu errado. Se está em andamento, está dando certo. Não se tem uma perspectiva de que algo que se acaba pode representar uma visão positiva sobre o que aconteceu. Esse julgamento é algo que me intriga e me faz pensar em milhares de vertentes a serem abordadas na definição do que é visto como um relacionamento de sucesso ou que falhou. Sinceramente, acho que deveríamos apoiar a definição de falha ou sucesso num todo. A visão geral, o balanço completo do relacionamento, independente de seus resultados ou formas de término é que definem se valeu a pena ou não. Ou, pelo menos, definem se a experiência foi positiva ou negativa. Você pode não olhar mais na cara do outro, mas um dia você disse pra aquela pessoa que a amou. Ou você mentiu sem nem perceber ou está cometendo o grave equívoco de considerar apenas o fim como determinante num enredo inteiro de relacionamento. Parte II – Quando uma decisão é tomada. Em “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, os dois personagens resolvem apagar o outro da sua mente após o término de um relacionamento um tanto quanto conturbado. Joel, ao saber que Clementine o teria apagado em uma empresa especializada em memórias da mente humana, resolve fazer o mesmo, mas se arrepende no meio do processo e tenta fugir a todo o custo. Isso parece um tanto quanto fantasioso? Pois bem, não é nem um pouco. A gente vive num eterno dilema filosófico entre aguentar o tranco de uma história que não deu certo, estando sujeito às lembranças e recaídas ocasionais de todo relacionamento ou evitar todo e qualquer tipo de contato e lembrança com o outro no intuito de não se lembrar de um único detalhe do que aconteceu. Relaxe e espere até que todas as suas memórias sejam apagadas. Se você optou por classificar a sua experiência afetiva como negativa e que não tem mais nada a acrescentar o contato entre vocês, talvez haja a necessidade de um afastamento completo; um “apagão” de memórias. No dia-a-dia a coisa se complica um pouco mais. O que fazer com todos os objetos, lugares, situações, músicas, palavras e pessoas que vão sempre lembrar um pouco da “história de dois”? Se formos transpor o exemplo do filme para o cotidiano, os exemplos mais práticos de decisão radical são os famosos casos em que ambas as partes decidem cortar laços com a outra de forma a nunca mais se ouvir falar. Com a reprodução midiática e a grande presença das pessoas nas redes sociais, o famoso processo de exclusão das redes é uma das formas mais inevitáveis de realizar esse “apagão”. Em contrapartida, as redes também podem indicar uma facilidade muito maior em estar em contato com quem não se quer, principalmente em se tratando de círculos sociais que englobam os indivíduos envolvidos na relação. No fim de tudo, eu considero bastante delicada essa decisão de esquecer completamente alguém utilizando todos os meios possíveis e impossíveis. Pode ter sido bom enquanto durou e agora dói. Pode ter sido horrível quando terminou, mas foi ótimo enquanto durou. Pode ter sido nada. Pode ter sido tudo. Tudo depende. É uma decisão a ser tomada com bastante cautela e ponderadas as vantagens e prejuízos. No fim da noite, a única decisão que realmente importa é aquela que vai te fazer lidar melhor e se sentir bem com tudo isso. Daniel Bovolento