Pedaços Humanos

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Conto dela


'Não foi enganada por ninguém, além dela mesma. Agora, com afinco, protegia-se de si, não permitindo que a alma passeasse muito longe para não ter que confortá-la depois. Não havia tristeza em ter que consolá-la. Mas era uma dor desnecessária. Se for para sentir dor, melhor não sentir. Podia ser uma escolha egoísta e vil. Mas e daí? Ela também não preferia assim. Não era fácil viver no equilíbrio para quem cresceu nos extremos. Mas era a única forma de ficar um pouco distante do incurável de sua alma. Mania irritante de acreditar!

Era melhor desmerecer para se surpreender até com o nada. Entendeu? Para ela era melhor se diminuir, assim se algo ruim viesse – o que era bem provável – ela saberia o motivo. Se nada viesse, ela seria capaz até de agradecer por tamanha dádiva. E se viesse alguma coisa boa? Não viria uma coisa boa.

Não era pessimismo não. Era o que sempre acontecia, e não adiantava tentar convencê-la que tudo e todos que já conheceu eram exceções. Ia levá-la ao que sempre pensava quando tentavam confortá-la: o mundo que você conhece é exceção. As relações podem dar certo, as pessoas nem sempre pisam nas outras. Ela olhava, fazia cara de quem era mesmo consolada e se perguntava se um dia conheceria os outros 5 bilhões de pessoas que deviam ser assim. Porque as centenas de milhares a um raio de centenas de milhares de metros eram a exceção. Sabe-se lá porque ela que era regra foi nascer no lado do mundo de exceções. Tem coisa que a gente não entende; a gente aceita, não é? Então como esse pensamento era zombar do que queriam convencê-la, era melhor não dizê-lo. A tentativa de acreditar era uma ironia para sua tentativa de enganá-la confortá-la.

Mesmo assim não acreditava ser uma cínica. Ela ainda tinha esperança. Em algum lugar perdido dentro dela, mas havia. Ela não sabia como e se poderia contar com ela; mas talvez alguém soubesse. O que estava acontecendo era que alguém parecia saber. Ela não sabia como, nem se era proposital. Devia ser porque a pessoa não errava, não dizia nada que não parecesse intencional. Tudo que era dito parecia brilhar e refletir dentro dela, nesta esperança escondida.

Aquilo não mudava o que ela tinha vivido, acreditado e perdido. Não mudava sua tese de que protegê-la dela era o mais sensato. Mas como ela não sabia onde a esperança estava guardada (escondida, melhor dizendo; porque se ela soubesse onde estava, ela teria arrancado-a de lá em um dos surtos de realidade), ela não podia ocultá-la de refletir aquele terrível brilho que mostrava uma pequena, discreta e limitada possibilidade.

E agora? Como ela podia proteger o coração? Preservá-lo? Sua ação precisaria ser mais rápida que a pujança da paixão. E se ele se decepcionasse de novo? Ela teria mais noites de consolo pela frente... Ela não suportava vê-lo chorar sua pureza imaculável. Mas como ela controlaria o que ela não sabia sequer onde estava?

Talvez, se... Não, não. Parece insensato. Mas é o único jeito. Ela pode sorrir, abrir-se e deixar a esperança sair; porque em campo favorável ela vai sentir-se segura para sair do esconderijo. Ela pode ser mais rápida e segurá-la antes que se machuque. Se não der tempo pelo menos ela vai tê-la em suas mãos quando voltar em luto, e pronto. Nunca mais a perderá de vista. Nunca mais a deixará ser surpreendida e nunca mais correrá algum risco.

Até que conheça as regras deste mundo e esteja liberta das exceções. Bom, pelo menos era o que todo mundo dizia. Mas, e se estivessem mentindo para ela mais uma vez?


Entre ficção e realidade, não tente adivinhar, contente-se em ler
Entendê-la, na sua concepção, é sempre pedir demais.'



(blog 'euamaria')

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