Pedaços Humanos

quinta-feira, 1 de março de 2012

Não quero mais sua desculpa

"O pior orgulhoso não é o que não deseja pedir desculpa.

É o que exige desculpa.

Eu peço desculpas com facilidade, aliás, antecipo desculpas do que ainda não fiz. Posso me desculpar pelos outros, para não perder o hábito. Choro os enfermos para não chorar os mortos.
Por me ver em excesso, nunca compreendi minha mulher. Assim, definitivo: nunca. Quando ela erra, eu a cobro com uma criança pela palavra mágica. Deixo de ser o marido para me tornar um pai, indeciso com qual castigo tomar. Um pai que educa pela severidade e esquece que erra tanto quanto, que não está um passo acima e nem um degrau abaixo.
Nas brigas intermináveis, diante do suicídio dos copos de geléia, ela chora, esperneia, grita, sacode os cílios das onze-horas na janela, e não a consolo para esperar ouvir sua desculpa. Mostro-me frio e indiferente. Maldita obrigação de se desculpar. Uma maldade ambiciosa de ver quem você ama sofrer e se ajoelhar com os dentes.
Nem é o "desculpe, errei", eu pretendo ouvir o "desculpa, está certo". Nada mudará com essa ignição verbal. O carro não partirá.
Eu a forço a se desculpar e dizer que não mais fará. Porém, sei que ela fará. Ela pede desculpas somente para sair daquele elevador claustrofóbico da linguagem, não por acreditar naquilo que falou. Eu a ameaço quando poderia estar a convidando a se abrir. Ela se fecha pois não demonstro vontade de entender seu temperamento, feito mais de atitudes do que de conclusões.
Ninguém se sentirá bem e aliviado após a súplica. Ambos estão derrotados. Eu porque coagi, ela por responder coagida. Alguma coisa será enterrada, mas não deixará de existir para as mãos.
Pedir desculpa não anula a vontade, talvez aumente. Ao completar a catequese, ia ao confessionário arrependido de todas as masturbações da semana. Aliviado da catarse por uma seqüência rápida de pai-nosso e ave-maria, repetia exatamente os pecados logo que saía da igreja. Pressionar desculpa é uma covardia, um ato violento de humilhação. É cobrar imposto da tristeza. É retirar o riso, as falhas, as indefinições e as aberturas do caráter. É rebaixar você e ela a indigentes do amor.
Não interessa que ela tenha concordado comigo, que esteja a fim de uma conversa franca, que já tenha retirada a defesa. Não canso de brigar até que ela se dê por vencida. Eu quero a desculpa, não a sua compreensão. Eu imponho a desculpa, quando a desculpa é apenas um cumprimento como o bom-dia ou o boa-noite.
A intolerância vem de mim, que não entende que a desculpa pode ser uma mudança tênue de comportamento, um abraço amansado com o rosto no ombro, um beijo trêmulo, a troca de assunto.
A desculpa não resolve, não remove a lembrança, não elimina a ansiedade. É o ponto final de uma frase, não do livro.
Há o crime de reduzir a consciência a uma expressão. Será que eu quero o seu melhor ou não ser ameaçado pela falta de palavras?
Não pedirei desculpa a ela. Para finalmente me perdoar."


Fabrício Carpinejar

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