'Não vou telefonar, não vou mandar torpedo, apesar da vontade imensa de reatar. O orgulho assumiu meu quarto. Conversa com ele agora. Com essa governadora das minhas desvalias, do meu guarda-roupa e sapatos. Estou de castigo, protegido, ausente, impedido de responder por mim. Se fosse responder, avisaria que dependo de você, que a desejo de volta. Infelizmente sou capacho de minha angústia. Piso em minhas palavras para limpar os pés da chuva.
O desamor é treino. Não existe desamor. Existe ensaio, simulação da indiferença, controle absurdo do cumprimento. Não que não sinta nada por você, sinto absolutamente tudo mais do que nunca e não consigo comunicar. Os cotovelos latejam, a cabeça bóia, as pernas mergulham numa fraqueza de maratona.
É esquisito ser seu ex. O corpo não aceita participar da greve de fome. No dia seguinte, sou seu ex-namorado. Acordei ex. Pronto. Na noite anterior, era o homem mais importante. Agora virei um estranho, um engano. É excessivamente cruel. Largar uma história em comum sem nenhuma desintoxicação, tratamento. Sem nenhuma antessala para chorar, berrar, espernear, expiar a febre. É muito mais grave de que um vício.
Quando você ardia alguma angústia, dizia que logo passava.
Não passará logo. Fingirei. Fingirei que me darei melhor sozinho. É uma estrondosa mentira que também acreditará porque não tem escolha. Sou uma mesa para dois, serei sempre uma mesa para dois. Levarei minhas malas para ocupar a cadeira ao lado. Enfrentarei o questionamento: “onde você anda?”, nos lugares que frenquentávamos juntos.
Explicarei que brigamos, escutarei dos amigos que é normal e que logo faremos as pazes, comentarei que é definitivo por educação e para não sofrer mais.
O ex mente, integralmente mente, complicado porque você me ensinou a gostar de verdade. Não tivemos filhos, não tivemos uma casa para dividir a partilha, não tivemos um cachorro para se procurar novamente. Não projetamos pretextos para a reconciliação, como esquecemos disso? Nosso amor não tem endereço como um circo, montado e desmontado na estrada.
Como dói o que não começou a doer. Não preciso de férias, preciso de outra vida.'
Fabrício Carpinejar
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